Cinema: Depois de Lúcia

É exasperante e perturbador, com graus quase insuportáveis de tensão, o premiado filme do diretor mexicano Michel Franco. Seco, agressivo e brutal, em sua superfície parece tratar do fenômeno do bullying. Basta aprofundar o olhar, no entanto, para perceber que o longa investiga o complexo sentimento de luto e da autopunição e como isso age sobre os dois personagens centrais. Em especial, como assola uma adolescente, capaz de sofrer uma série de humilhações físicas e psicológicas e, mesmo assim, tolerá-las sem se rebelar.  

Desde o primeiro plano-sequência, quando um veículo é abandonado no meio de uma avenida movimentada, o público irá perceber que o pai e filha da história têm dificuldades visíveis para lidar com o trauma de acidente de trânsito que vitimou a Lúcia do título – ela, curiosamente, nunca aparece em cena, apesar de desencadear todos os eventos na trama. Paradoxalmente, sua ausência será presença constante na trajetória dos protagonistas, que, dispostos, a superar o passado e reconstruir suas vidas, mudam-se do balneário de Puerto Vallarta para a capital do México. Buscam outro trabalho, conhecer pessoas diferentes, uma nova escola. O chef de cozinha Roberto (Hernán Mendoza) e Alejandra (Tessa Ia, irmã do ator Gael Garcia Bernal) são sobreviventes de uma tragédia familiar. Nessa condição de vulnerabilidade explícita, estão sujeitos a cometer erros banais que podem propiciar mais devastação emocional, principalmente em uma época em que a tecnologia propaga tudo de forma imediata.

Se no início o viúvo se revela um pai um tanto frio e distante, aos poucos uma certa bipolaridade vai emergindo de sua personalidade. Ele pode pedir inesperadamente a demissão de um emprego que acabara de assumir, brigar no trânsito, cometer um ato absolutamente incivilizado dentro de uma lancha. É uma bomba-relógio, prestes a explodir. Por sua vez, a solitária e depressiva filha logo se entrosa no colégio de classe média alta. No entanto, um vídeo comprometedor dela é disseminado entre os colegas e ela se torna alvo sistemático de bullying – ofensas morais, clausuras, estupros, capturados e retratados de maneira dura pelo cineasta. É intensamente desconfortável, por exemplo, a cena em que a turma comemora o seu aniversário obrigando-a a comer um bolo de fezes. Apesar da violência crescente, ela não reage e esconde o fato de seu pai, na tentativa de poupá-lo de mais problemas. O silêncio e sua passividade são igualmente eloqüentes.

Trata-se de uma produção modesta, com angustiantes planos longos muitas vezes utilizados para se instaurar um contraponto entre a afetuosa relação pai e filha, com triviais momentos domésticos, e a insanidade dos jovens estudantes, mergulhados em atos vis, dissimulações e futilidades. Com sua câmera estática e poucos cortes, cuja opção estética remete a algumas produções romenas vistas recentemente aqui, como Além das Montanhas (Cristian Mungiu), o diretor maximiza o drama, sem flertar com a escandalização fácil, e joga o público no terreno desconfortável da barbárie sem tomar um lado, uma posição – há uma sequência em que a garota supostamente desaparece e o pai decide fazer justiça ao seu modo. Franco conduz a trama com veracidade possível, impondo um distanciamento quase documental, sem alívios cômicos ou música climática.

Ele também não parece preocupado em contextualizar diretamente a realidade de seu país. No entanto, dá pistas de que as coisas não vão bem. A espiral de violência numa instituição de ensino, a pífia atuação policial, a degradação social do ambiente, a omissão dos pais, a ineficiência das leis desenham um cenário de caos. No microcosmo, temos uma escola que promove testes regulares em seus alunos para detectar o uso de maconha, mas se revela incompetente na hora de tratar da degeneração de seu corpo discente. Como disse o diretor em entrevistas, o longa mostra o que pode acontecer de ruim quando não aceitamos a morte de um ente querido. Por vezes, o realismo cruel do filme está mais para puro terror.

(Edgar Olimpio de Souza)

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

Depois de Lúcia

Título Original: Después de Lucia (México, 2012)

Gênero: Drama, 103 min

Direção: Michel Franco

Elenco: Hernán Mendoza, Tessa Ia, Gonzalo Vega Sisto e outros.

Estreou: 22//03/2013

 

Veja trailer do filme: 

 

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