EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Dois Dias, Uma Noite

Uma Europa em crise econômica, atolada por oscilação dos empregos e baixos salários é o pano de fundo do novo filme dos cineastas Jean-Pierre e Luc Dardenne. Os irmãos belgas iluminam o caráter competitivo e selvagem do liberalismo econômico, responsável pelo desemprego que afeta o continente europeu, ambientando a história na cidade industrial de Liège, na Bélgica. É ali que a personagem Sandra (Marion Cottilard), uma jovem esposa e mãe, terá de enfrentar uma humilhante via-crúcis para tentar recuperar o seu trabalho em uma pequena fábrica de painéis solares.

Recuperada de um colapso nervoso, que a manteve temporariamente afastada por recomendação médica, ela descobre que os colegas, em uma atípica votação induzida pelos patrões, haviam trocado a sua vaga por um bônus individual de mil euros. Com exceção de dois votos contrários, os demais catorze funcionários optaram por sua demissão e a decisão será consagrada numa segunda-feira, quando de seu retorno. Há um fio de esperança, no entanto: a chefia decidiu realizar um novo escrutínio secreto nesta data. Ou seja, ela terá apenas o fim de semana para contatar os seus pares e tentar reverter o processo.

Começa a jornada de dois dias e uma noite, de casa em casa e cara a cara, de uma personagem arremessada para uma situação-limite. Nas breves visitas, Sandra irá perceber que os companheiros da empresa não são necessariamente criaturas egoístas e têm suas razões e urgências para negar o voto a ela. Eles precisam do abono para garantir o pagamento das contas domésticas, bancar os filhos na escola e iniciar reformas inadiáveis na casa. Alguns até encaram bico aos sábados e domingos para complementar a renda. No caso, ajudá-la significa transtornar o sustento das suas próprias famílias. Não votaram contra ela, mas a favor da gratificação extra e isso é dito sem rodeios. Mas quanto cada um deles está disposto a cooperar? Hábil e aguda, a trama evita fazer pré-julgamentos morais, não elege heróis e vilões. O conflito onde todos são vítimas é desfiado sem maniqueísmos e estereótipos. E ganha peso político porque os verdadeiros responsáveis pela decisão, os empregadores, estão ausentes.

Como é peculiar na obra da dupla de diretores, a câmera acompanha bem de perto o drama da protagonista em busca da persuasão da maioria e o resgate de sua autoestima.  Aos poucos, vai se compondo um retrato neo-realista com notas de suspense de uma classe social marginalizada pela brutalidade capitalista, referenciada na pele de uma personagem que corre contra o relógio e enfrenta a indiferença de alguns, a omissão de outros e colhe aqui e ali nacos de solidariedade. Até uma briga, em certo momento, irrompe. Se o périplo de uma vulnerável Sandra provoca mudanças interiores, a fricção com os demais personagens deixa entrever a complexidade da natureza humana em condição extrema. O enredo trata de um assunto pungente jamais descambando para o melodrama.

Grande parte do mérito da obra reside na acurada performance da atriz francesa Marion Cottilard. Sem maquiagem e dona de olhar expressivo, seu semblante filtra com sutileza e naturalidade desconcertante sentimentos como o de empolgação, desolação, desespero, resignação, angústia, dúvida, medo. Sua depressão flui e reflui ao reboque das reações dos colegas. É uma gama inflada de emoções que emana de forma minimalista, sem gestos ruidosos. Quase tudo em silêncio. Ela precisa dar vida a uma pessoa em condição “invisível”, que implora por dignidade e se vê obrigada a passar por cima do orgulho para defender o seu emprego.

O longa é um exemplo de que uma história aparentemente simples pode revelar um estudo afiado sobre dramas humanos e sociais. Espécie de parábola humanista, a obra dirige seu olhar para o capitalismo predador, aqui simbolizado em corporações que desumanizam as relações no trabalho e transformam funcionários em inimigos entre si. Sem emprego e renda ninguém existe, é o que emerge no filme. O diretor Jean Pierre é autor de um livro, Atrás das nossas imagens, que reflete sobre esse estado de coisas. Ele preconiza que o trabalhador se tornou hoje membro de uma casta em extinção. “Será que seu desaparecimento deixará algum legado?”, ele pergunta. Seja qual for a resposta, a questão incomoda.

(Edgar Olimpio de Souza - O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

Dois Dias, Uma Noite

Título Original: Deux Jours, Une Nuit (Bélgica / França / Itália, 2014)                                    

Gênero: Drama, 95 min                                                                                                        

Direção: Jean-Pierre Dardenne  e Luc Dardenne                                                              

Elenco: Marion Cottilard, Fabrizio Rongione, Catherine Salée e outros.                  

Estreou: 05/02/2015

 

Veja trailer do filme:

 

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