EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Winter Sleep

Inspirado em contos do dramaturgo russo Anton Tchecov, o filme denso e intimista do cultuado diretor turco Nuri Bilge Ceylan (3 Macacos / Era uma Vez em Anatólia) explicita a lenta radiografia de um personagem dúbio. No caso, a de um rico proprietário de um pitoresco hotel instalado numa isolada e gélida região montanhosa da Capadócia, em terras que herdou de sua família. Ex-ator, ele assina coluna em um jornal local, onde aborda temas sobre arte e espiritualidade, e cultiva o projeto de escrever a história do teatro turco. Um sujeito, à primeira vista, generoso e de modos afáveis, a ponto de colher cogumelos nas colinas para oferecer aos que estão hospedados em seu estabelecimento. Seu perfil, no entanto, é enganoso. No fundo, Aydin é um intelectual narcisista e arrogante, que acredita ser progressista e disseminar humanismo aos seus hóspedes e inquilinos.

A aparência culta e acessível não tarda a desmoronar. Um menino, filho de um locatário desempregado, ressentido e ameaçado de despejo por inadimplência, arremessa uma pedra na janela do carro de Aydin. O incidente irá desdobrar uma série de episódios que revelarão um homem hipócrita e cruel. A face sombria de sua personalidade pode ser vislumbrada, por exemplo, no momento em que ele estende a mão para o garoto beijá-la, como sinal de que está disposto a conceder perdão. Forçada a se ajoelhar, a criança acaba desmaiando diante da humilhação, para desespero de seu tio, um tipo adulador de sorriso nauseante. 

Na esfera privada, o temperamento intimidador do senhorio ganha contornos mais visíveis. Sua relação com a irmã recentemente divorciada Necla, residente na propriedade, padece de falta de calor humano. Eles mantêm longos diálogos, discutem a ética da criação literária, mas comumente as conversas descambam para insultos recíprocos, como quando ele zomba do pacifismo dela. Com a bela e jovem esposa, a voltagem do estresse é sempre alta porque o relacionamento esfriou faz tempo e ele contribui para arrastar o casamento ao interferir grosseiramente no projeto de Nihal de arrecadar fundos para assistir uma pobre escola local.           

Uma passagem em que o casal imerge em uma guerra verbal sem explosão é uma das mais cruciantes da obra. A interlocução é tensa, de angústia palpável, faz vazar emoções e sentimentos reprimidos. Pelos flancos, a mulher está tentando compensar uma vida anulada apadrinhando uma ação de caridade. Sentindo-se sufocada no casamento, deixa-se flertar com um professor solteiro que a ajuda na tarefa. Ao perceber que a bondade dela é uma maneira de escapar da asfixia conjugal, o marido quer saber o que fez de errado, quais são as suas culpas. É curioso observar que o nome do hotel, Othello, extraído de conhecida tragédia de Shakespeare, evoca o ciúme presente na obra do dramaturgo inglês e as relações envenenadas que permeiam aquela e esta trama. 

Ceylan define as estruturas de poder em jogo e joga luz nesse homem multifacetado que, indiferente ao sofrimento ao seu redor, apenas simula se importar com sua família e comunidade. Hábil, o diretor realça a miséria moral em que vivem aquelas criaturas sem rumo. O roteiro avança sem nunca comprometer o seu condão de reflexão. O mergulho sutil e piedoso na fragilidade humana e nas auto-ilusões transcorre em ambientes fechados, de atmosfera opressiva, que parecem blindados aos valores da cultura e civilização. Trata-se de um drama amargo, serenamente denso, impregnado de imagens impressionantes, como o branco amedrontador das montanhas e a perseguição e captura de um cavalo selvagem. No longa, as alusões a Dostoievski e Strindberg são evidentes. Desamparadas, as figuras que desfilam pela tela encontram-se sem perspectivas de uma redenção pessoal. Em uma visita à casa da família do garoto que apedrejara o jeep, uma perplexa Nihal descobre que nem todos estão abertos aos seus arroubos de generosidade. Nesse mundo desajustado exposto pelo filme, que faturou o prêmio máximo no Festival de Cannes 2014, só o altruísmo não é o bastante.     

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

Winter Sleep

Título Original: Kis Uykusu (Turquia/Alemanha/França, 2014)

Gênero: Drama, 196 min.

Direção: Nury Bilge Ceylan

Elenco: Haluk Bilginer, Melisa Sozen, Demet Akbag e outros.

Estreou: 07/05/2015

 

Veja trailer do filme:

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