EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

  • Font size:
  • Decrease
  • Reset
  • Increase

Neruda

Nesse filme, que se passa no Chile após a Segunda Guerra Mundial, há uma perseguição épica. Ativo senador de esquerda, o célebre poeta Pablo Neruda (Luis Gnecco) caiu em desgraça ao recriminar o presidente eleito Gabriel Videla, um antigo aliado político, de ter se afastado dos ideais comunistas. Com o Partido Comunista tornado ilegal, e declarado inimigo do Estado, ele migra da condição de opositor do regime para a de inimigo a ser encarcerado. Acossado pelo desajeitado e inseguro investigador de polícia Oscar Peluchonneau (Gael Garcia Bernal), que professa o raciocínio de que “os comunistas odeiam trabalhar, preferem queimar igrejas”, Neruda é forçado a se refugiar dentro do próprio país. Durante meses muda de uma casa para outra, ao lado da mulher, aparecendo e desaparecendo em público, em assumida atitude provocativa. Ambos os atores, aliás, estão críveis nos papéis, concedendo-lhes a humanidade necessária.

O longa-metragem do cineasta chileno Pablo Larraín, a partir de um roteiro de Guillermo Calderón, emaranha fatos com ficção. No lugar de contar a história de vida de um dos nomes mais fundamentais na literatura latino-americana, ele faz um recorte específico de uma passagem importante na rica trajetória do protagonista. O diretor desenvolve a trama de forma refinada e inteligente. Ao contextualizar a imagem popular do personagem-título, um homem cheio de ideais, hedonista, impertinente e um tanto esnobe, ele desembrulha uma reflexão sobre o legado poético e político de Neruda. Por sua vez, transforma Peluchonneau num sujeito tragicamente acuado pelo pequeno poder que lhe é delegado, assombrado pela mística do poeta. Ele também assume o papel de narrador, uma espécie de cronista que relata os acontecimentos e despeja comentários nada neutros sobre as circunstâncias políticas, Neruda e até suas questões pessoais.  

Uma curiosa ligação se estabelece entre os dois homens, uma complexa simbiose que extrapola o maniqueísmo do bem contra o mal. Instaura-se uma relação transcendente entre Peluchonneau, o indivíduo que deseja resgatar a memória de seu pai e está preocupado em apagar o seu passado como o filho bastardo de uma prostituta, e Neruda, figura heróica dos artistas e intelectuais. A conexão entre eles ainda é matizada pelo hábito do poeta de, além de enviar clandestinamente manuscritos para o seu editor, como Canto Geral, sobre as glórias e misérias da América Latina, deixar cartas sugestivas para seu adversário.

É interessante observar como Larraín imagina a caçada que movimenta o enredo. Em uma cena emblemática, Délia (Mercedes Morán), a obsequiosa esposa de Neruda, diz ao detetive que o marido está escrevendo um romance fascinante. E que nessa fábula o agente que o persegue seria um policial trágico, um cachorro na noite. “Ele pensa sobre você pensando nele”, ela assegura. Ou seja, Peluchonneau não seria uma pessoa real, mas uma criação da mente do autor, não um paladino, mas um personagem de apoio para tornar a aventura da fuga mais emocionante. A revelação desconcerta o interlocutor. Um contraponto emerge aqui. Se o poeta se abre à imaginação sem freios, o policial é devorado por regras e planos.

O cineasta trabalha a narrativa passeando por alguns gêneros e romances conhecidos. Percebe-se, por exemplo, o uso da estética do cinema noir, com seus heróis cínicos, as atitudes existencialistas e um visual marcado por imagens de alto contraste. A obsessiva caçada remete ao clássico francês Os Miseráveis, de Victor Hugo, no qual o homem da lei Javert passa o tempo no encalço de Jean Valjean. As fugas de Neruda, sempre um passo à frente de seu perseguidor, parecem inspirados em Hitchcock. Trata-se de um filme que não perde nunca o encanto, desde a cena de abertura, que flagra o protagonista num gigantesco banheiro discutindo com um grupo de políticos, até o impactante desfecho, ambientado numa paisagem tingida de neve. Local onde o embate ganha a conotação de uma nação em guerra consigo mesma.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Bom

 

Neruda

Título Original: Neruda (Chile / Argentina / França / Espanha / EUA, 2016)

Gênero: Drama, 107 min.

Diretor: Pablo Larraín

Elenco: Luis Gnecco, Gael Garcia Bernal, Mercedez Morán e outros.

Estreou: 15/12/2016

 

Veja o trailer do filme:

Comente este artigo!

Modo de visualização:

Style Sitting

Fonts

Layouts

Direction

Template Widths

px  %

px  %