Cinema: O Jovem Ahmed

Um garoto que se sente empoderado pela religião, sem empatia e pueril o suficiente para desconhecer as implicações de suas ações, pode amedrontar uma sociedade que teme o terrorismo de orientação religiosa. O novo e polêmico longa-metragem dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne tem como protagonista um adolescente fundamentalista muçulmano de treze anos (Idir Ben Addi), de ascendência árabe-belga, que assume o compromisso de levar a cabo um ato extremo. O alvo de Ahmed é a professora muçulmana Ines (Myriem Akheddiou), que no passado o ajudou a superar a sua dislexia, mas agora é vista por ele como uma pessoa que renegou a crença da qual fazia parte e, ainda por cima, namora um judeu. Ela, no entanto, não fez nada além de ensinar árabe por meio da música e não apenas pela leitura do Alcorão. Na escola, inclusive, uma reunião das famílias muçulmanas traduz a ausência de consenso em torno do tema, com conflitos e brigas entre conservadoras e progressistas.

Quem faz a cabeça de Ahmed é o líder espiritual da comunidade, o imã Youssouf (Othmane Moumen), que o massacra com ideias e princípios de pureza baseados em uma interpretação radical do livro sagrado dos muçulmanos. Ele o instrui, por exemplo, a não cumprimentar a professora na escola nem beijar ou se despedir das colegas de classe. Chega a convencê-lo de que a mãe dele, a muçulmana não praticante Louise (Claire Bodson), não passa de um ser humano indigno por não usar hijab para cobrir os cabelos e eventualmente beber álcool. Com o intuito de impressionar o mestre, o menino idealiza ser o próximo mártir jihadista.  

Sem valer-se de maniqueísmos, o filme apresenta Ahmed aprisionado nesse jogo nervoso entre duas forças antagônicas, cada qual com um modelo de vida. Há a professora que o ensinou a ler e deseja que os alunos aprendam o idioma árabe por fontes diversas. Há o imã, que se opõe aos métodos dela e promove uma espécie de lavagem cerebral em seu discípulo. Este, de forma distorcida, pretende fazer justiça com as próprias mãos. Curiosamente, toda a metamorfose de Ahmed parece ter ocorrido abruptamente, porque o seu cotidiano era tido como normal para alguém de sua idade e girava em torno de videogames. Sinais indicam que o primeiro passo para o processo de radicalização se esboçou no momento em que passou a enaltecer o seu primo, morto ao cometer um ataque suicida. Ao farejar a transformação, o líder espiritual começou a doutriná-lo no exercício da intolerância e sectarismo.  

O comportamento rígido e inflexível do jovem é praticado até no centro de reabilitação juvenil, para onde foi após perpetrar uma insanidade. Os conselheiros que ali atuam se esforçam para não insultar as crenças muçulmanas de Ahmed e sugerem que ele trabalhe em uma fazenda. Nesse ambiente rural, o rapaz desenvolve amizade com uma garota da sua faixa etária (Victoria Bluck), porém a relação também é cercada de complicações morais. O mais inquietante é o fato de que todos à sua volta são afáveis e tolerantes com suas práticas e opiniões religiosas. Mesmo assim, Ahmed não descartou os planos de investir novamente contra a professora, mantendo viva a sua guerra santa particular.

Embora não aguda ou contundente, a obra expõe a construção do fanatismo e da loucura. Em algumas cenas assustadoras, o garoto estuda maneiras de esconder uma faca no sapato e lapida uma escova de dentes roubada para transformá-la em uma arma afiada. Cria-se uma espécie de tensão e suspense, que o público acompanha com interesse até o desfecho. Inteligente e sutil, o roteiro não faz julgamentos e valoriza aquilo que é implícito, mais do que as palavras. Não existe preocupação em mergulhar na psicologia dos personagens. Efetivamente os Dardennes evitam uma leitura trivial ao escancarar questões como arrependimento e misericórdia. O que os irmãos mostram, para horror de todos, é que pessoas comuns, de traços suaves, como o protagonista, podem ser manipuladas e virar agentes do terror. Nesta produção, nem as instituições de ressocialização estão funcionando. Não se sabe por que Ahmed continua incólume aos valores humanistas e perdeu a capacidade de apreender noções básicas de convívio. Ele pode ser salvo e se redimir? É a incômoda dúvida que permanece após a sessão.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Bom

 

O Jovem Ahmed

Título Original: Le Jeune Ahmed (Bélgica / França, 2019)

Gênero: Drama, 84 min.

Direção: Luc Dardenne e Jean-Pierre Dardenne

Elenco: Idir Ben Addi, Othmane Moumen, Myriem Akheddiou e outros.

Estreou: 20/02/2020

 

Assista trailer do filme:

 

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