Babenco: "Muitos longas brasileiros só deveriam ter meia hora"

Um dos poucos cineastas brasileiros com projeção internacional, Hector Babenco faz pouca questão de ser simpático nas entrevistas. Certa vez, na Livraria Cultura, durante o lançamento do DVD de um de seus filmes, chamou de bolha um irônico e inconveniente repórter do CQC e o afastou, golpeando-o com uma revista que trazia nas mãos.  Filmada, a cena andou circulando por aí durante um bom tempo. “Um jornalista que vem me entrevistar deveria ver todos os meus filmes e aí cotejá-los comigo”, reclama. Visto como melindrado por alguns colegas de profissão, ele também não faz parte de nenhuma igrejinha e critica sem piedade o cinema brasileiro. 

 

Com 64 anos de idade, este cineasta argentino naturalizado brasileiro desde 1975 já foi pintor de prédios e lavador de pratos durante a juventude, quando viveu na Europa. Não é uma figura fácil. Costuma ser daqueles entrevistados que não têm o hábito de medir palavras ao dizer tudo o que pensa. “No cinema nacional, existem longas interessantes e outros que não deveriam passar de curtas-metragens. Às vezes, boas idéias não resistem à meia hora. Há filmes com falta de maturidade. Detesto aquele cinema brasileiro sem alma, com ar de publicidade.”

 

Desde o final de 2009 estão desembarcando nas locadoras, via Europa Filmes, edições restauradas e remasterizadas digitalmente de sua filmografia. É uma saborosa coleção de DVDs para quem curte o cinema autoral e de difícil catalogação de Babenco. Os primeiros títulos que saíram foram Pixote – A Lei do Mais Fraco (1981), Brincando nos Campos do Senhor (1991), Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977), O Beijo da Mulher Aranha (1985) e O Rei da Noite (1975).

 

Até meados desse ano chegarão Coração Iluminado (1996), Carandiru (2003) e O Passado (2007). Apenas Ironweed (1987), estrelado por Jack Nicholson e Meryl Streep, ficou de fora por empecilhos durante a negociação dos direitos. “Foi um verdadeiro trabalho artístico, a cópia do Pixote está melhor que o original do cinema”, orgulha-se. Abaixo, a entrevista concedida por telefone pelo diretor.

 

Edgar Olimpio de Souza

 

Por que você faz cinema?

Curto e grosso: porque não sei fazer outra coisa. Não sei como acontece com as outras pessoas, mas sempre gostei de contar as minhas histórias, de falar de uma forma menos racional. Preciso trabalhar. Como vou pagar meu dentista, aluguel, comida? Eu gosto do que faço e sou muito crítico. Faço porque eu não me sentiria bem comigo mesmo se deixasse de fazer. São histórias que eu vejo e preciso dar forma a elas de alguma maneira. Nunca fiz um filme com a intenção de mudar o mundo. Não se muda o mundo com filme, novela, peça de teatro. Não vou me preocupar também com o que o público pensa, se não nem sairia de casa. Sou um contador de histórias. 

 

Como você escolhe as histórias que pretende filmar?

Vá perguntar ao Ronaldo como ele faz gols. Não se pergunta isso. Há momentos em que certas coisas são imperativas e se tornam viscerais botar para fora. Não existe regra, matemática, fórmula. Os filmes vão surgindo, é simples assim. Um dia visitei uma unidade da Febem com uma amigo fotógrafo e fiquei emocionado com o que vi. Aí surgiu Pixote – A Lei do Mais Fraco.

 

Acha normal Pixote estar na lista dos 100 melhores filmes de todos os tempos?

O filme é considerado um clássico, talvez tão importante quanto uma obra de Antonioni, Truffaut. Mas na época que filmei, eu era tão ingênuo que nem sabia que existiam festivais. Não o inscrevi para o Oscar porque não sabia como pegar os papéis. Na verdade, nem sei se deveria estar entre os 100 melhores. Não tenho que concordar, se algum maluco faz uma lista que deixe assim. Vou brigar? Não tenho lista individual, preferências. Prefiro encarar assim: cada filme é um filme e representa um momento.

 

Demorou, mas enfim estão sendo relançados os DVDs de sua filmografia...

Nunca me interessei em produzir o lançamento dos meus filmes. Se tivesse que rolar, teria de ser automaticamente. O mercado dos DVDs está nas mãos das majors, as grandes produtoras de cinema. A comercialização não faz parte de meu cardápio de atividades, não sentia tesão para trabalhar a sobrevivência dos longas. Percebi que os filmes mais insignificantes tinham presença no mercado de vídeo. Os meus trabalhos mais antigos haviam saído em VHS e nunca sido editados.

 

Nunca teve propostas?

Propostas eu até tive, mas não sentia segurança. A pirataria começou a crescer também. Agora pintou a oportunidade de lançar todos os meus filmes, até os americanos, incluindo os making ofs, produzidos ao longo dos anos. O Pixote, por exemplo, reúne um monte de entrevistas. Como os negativos estavam muito gastos, restauramos e remasterizamos digitalmente todos os longas, quadro por quadro. Foi um verdadeiro trabalho artístico. A cópia do Pixote está melhor que o original lançado no cinema. 

 

Como você definiria o seu cinema?

Não sei se existe uma identidade amarrando todos os trabalhos. Como as pessoas estão em constante processo de crescimento, tentando não se repetir, nunca parei para pensar nisso. Eu sou um cineasta sem gênero, um franco atirador, nunca integrei um movimento, nem tive seguidores. Há diretores que se sentem protegidos quando têm quem os sigam. A modernidade não aceita mais o que é certo ou errado, as coisas são como elas são. A minha função é de fazer enquanto a de outros é a de consumir.

 

Há diferença entre trabalhar com atores brasileiros e internacionais?

Goleiro na frente do pênalti é igual em todos os lugares. Temos de parar com essas regras velhas, que precisam ser jogadas no lixo. É bobagem esse negócio de que ator inglês é mais técnico, que ator brasileiro é mais criativo. São estereótipos, caricaturas, reducionismos. Ou melhor, balela. No lançamento do filme O Passado, uma revista deturpou o que eu disse sobre o Gael (N.R.: Babenco teria dito que escolhera o ator mexicano Gael Garcia Bernal por ter sido o melhor ator com quem trabalhara). Virou uma resposta que parecia jogar atores brasileiros contra atores estrangeiros. Como eu estava fazendo um filme falado em espanhol, eu não considerava que houvesse ator brasileiro que pudesse fazer o papel que o Gael ia fazer. Não desmereci ninguém.  

 

Ocinema internacional te agrada?

Hollywood tem feito menos filmes por ano e cada vez mais caros. Os festivais de cinema são cada vez mais populares e populistas. Eu poderia ficar viajando com um único trabalho por uns três anos pelo mundo com tudo pago. Um filme que vi e adorei foi Anticristo, do Lars Von Trier. Inteligente, falou com a minha cabeça, me fez pensar. Não sou de acompanhar um diretor com mais atenção do que o outro. Aliás, vou pouco ao cinema para não me deseducar. Quero manter o purismo, não desaprender.

 

Que avaliação você faz da produção cinematográfica brasileira atual?

Existem longas nacionais interessantes e outros que não deveriam passar de curtas-metragens. Às vezes, boas idéias não resistem à meia hora, há filmes que padecem de falta de maturidade. As comédias predominam, desde a época da Atlântida, muitas caem no gosto popular porque se aproximam da linguagem televisiva. Eu não gosto de dividir o cinema nacional em linhas, escolas, gêneros. Você senta no escurinho e gosta ou não, se encanta ou se chateia. Detesto aquele cinema brasileiro sem alma, com ar de publicidade. É uma necessidade dos medíocres de encontrar referências para ser compreendido. São aqueles que têm medo de fazer algo muito diferente.

 

A sua relação com a mídia é boa?

Detesto cometer generalizações, não dá para falar que tudo é igual, mas percebo banalizações que são decorrentes da falta de tempo para se pensar e trabalhar melhor. Muitos jornalistas são fracos. As pessoas falam porque são famosas ou celebridades, ninguém quer saber de seus trabalhos de uma maneira mais profunda. Nem os filmes são vistos. Um jornalista que vem me entrevistar deveria ver todas as minhas obras e aí cotejá-las comigo. Mas não, me procuram para saber o que penso sobre diversos assuntos. Afinal, querem falar comigo ou abordar o meu trabalho?”

 

Sente-se mais brasileiro ou argentino?

Sinto-me brasileiro, mas nascido na Argentina.

 

(Fotos cedidas pela HB Filmes)

 

Assista cenas de Pixote – A Lei do Mais Fraco:

 

 

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