EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Amigos Ausentes

Aquele humor cínico do dramaturgo inglês Alan Ayckbourn está aqui: abaixo da superfície espirituosa da trama, há situações embaraçosas, constrangimentos entre os personagens e uma abordagem pessimista sobre o casamento. Trata-se de uma visão mais dolorosa até do que em Enquanto Isso (leia a crítica nesta revista), seu texto anterior, que atualmente recebe ótima montagem em São Paulo. Nesta peça, escrita em 1974, o autor expõe a apatia e a indiferença de uma certa geração e consegue fazer rir mesmo abordando um assunto tabu e espinhoso, a morte. E a mais cruel ironia é que, sob os risos, o público é confrontado com a realidade tão aflitiva da morte do amor. A encenação assinada por Nilton Bicudo grifa esse aspecto. Não é apenas uma comédia negra, mas sombria e implacável. A história acontece em uma única tarde, durante a qual as misérias pessoais e relacionamentos dos personagens são descamados gradualmente. A dona de casa suburbana Diana organizou um chá para receber Colin, um amigo de seu marido Paul. A noiva do convidado morreu recentemente afogada e o objetivo da reunião, que contará com outros velhos amigos, é consolá-lo. Há uns três anos ninguém no grupo tem contato com ele. Tampouco conheciam a falecida. Como se trata de uma crônica bem humorada sobre a morte e a morte do amor, as rachaduras começam a despontar neste encontro. Vitima até mesmo um personagem ausente, Gordon, que está doente e causará desconfortos com telefonemas inoportunos. Vamos saber que Paul teve um breve romance com Evelyn, mulher do vendedor John, que está ciente do caso, mas depende do patrão Paul para se manter no emprego. Ela trouxe o bebê e se revela cética quanto ao amor. Não muito diferente da infeliz Diana, cujos filhos estão no internato e é tiranizada pelo marido.

A presença do inocente Colin deixará o ambiente de ponta cabeça porque, ao contrário das expectativas, ele irá se mostrar irritantemente feliz. Ele tem uma visão cor de rosa da vida e não está amargurado com a perda de sua amada. Faz questão, inclusive, de torrar a paciência dos amigos exibindo dezenas de fotos dela. Seu elevado ânimo acaba produzindo um efeito inverso no grupo. É uma das chaves para compreender a peça de Ayckbourn. O chá serve de estopim para contrastar a satisfação pessoal de Colin e a absoluta insatisfação existencial de seus amigos, enredados em suas infrutíferas tentativas de resolver suas infelicidades matrimoniais. No fundo, quem precisa de consolo são os outros, que vivenciam a ruína de seus casamentos. É visível o abismo entre a alegria do convidado e o sofrimento e decepção dos amigos. A reunião, inclusive, é pautada por situações constrangedoras. Como, por exemplo, a história de um lenço que simbolizou o início do romance dos anfitriões e hoje está sendo usado para limpar o carro. Diana chega a sofrer um colapso nervoso na frente de todos ao lamentar não ter ingressado na cavalaria montada canadense. Exangue, será levada ao quarto para descansar. Contundente pelo potencial de fazer o espectador rir e chorar ao mesmo tempo, a sequência acabou desperdiçada ao merecer tratamento unidimensional da direção.  Em que pese o desnível do elenco, a montagem evolui de forma satisfatória, de acordo com as ações e reações dos seis personagens. Andréa Dupré contamina Diana com o grau adequado de tensão e fragilidade. No papel do bajulador John, o ator Rodrigo Frampton baseou a caracterização em cima das expressões faciais, tiques nervosos e maneirismos. Wanessa Morgado, como Evelyn, fala pouco e tangencia o clichê da mulher de olhar blasé e atitudes de desprezo. Edson Aranha interpreta o empresário egoísta e mulherengo Paul, valendo-se de um registro de poucas nuances. Desenvolta, Maristela Chelala vive Marge, que está desesperada por um filho e transfere seus instintos maternais para o marido Gordon. Com um tipo físico magro, Daniel Warren extrai de Colin a compaixão crível e a espontaneidade, sem apelar para trejeitos fáceis e autocomplacência. São personagens que, vistos de dentro, revelam-se pouco engraçados. Observados de fora, no entanto, são hilários.

(Edgar Olimpio de Souza - O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto: William Aguiar)

 

Avaliação: Bom

 

Amigos Ausentes

Texto: Alan Ayckbourn

Direção: Nilton Bicudo

Elenco: David Warren, Andréa Dupré, Maristela Chelala e outros

Estreou: 30/07/2010

Auditório Augusta – sala nobre (Rua Augusta, 943, Consolação.Fone: 3151-2464). Quarta e quinta, 21h. Ingresso: R$ 30. Até 11 de fevereiro.

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