EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Se Meu Apartamento Falasse

Não é a primeira vez que a versão desse clássico da sétima arte é montada no Brasil. No início da década de 1970 uma adaptação ganhou os palcos cariocas protagonizada pelo humorista Moacyr Franco, a cantora Rosemary e o inesquecível Jardel Filho. O espetáculo, inclusive, manteve o título original da Broadway (Promises, Promises), traduzido para o português como Promessas, Promessas. A oscarizada comédia estrelada por Jack Lemmon e Shirley MacLaine foi um estouro. Chegou aos cinemas em 1960, com direção de Billy Wilder, e logo atraiu grandes plateias – na ocasião, este crítico era menor de idade e se frustrou por não poder ver a obra na telona, na idílica cidade interiorana de Barra Bonita. Em 1968 foi parar no teatro, no formato musical, com texto de Neil Simon, fiel ao roteiro original do longa-metragem (de Billy Wilder e I. A. L. Diamond). As canções foram compostas por Burt Bacharach (sua primeira e única incursão no teatro musical) e as letras assinadas por Hal David. Permaneceu mais de três anos em cartaz na Broadway, obteve sete indicações ao cobiçado prêmio Tony e ganhou badalada remontagem em 2010.

Com direção de Charles Moeller, a atual montagem passou rapidamente pelo Rio de Janeiro e agora cumpre curta temporada na capital paulista. Ambientada nos anos 1960, a história é oportuna por colocar no centro um dos temas mais discutidos hoje em dia, o assédio como uma ferramenta de opressão. Baxter (Marcelo Médici) é o solitário contador de uma seguradora, que disponibiliza seu apartamento para escusos encontros amorosos dos colegas do escritório. Como são casados e precisam de discrição, eles acabam pedindo emprestado o imóvel do empregado solteiro, localizado a poucos metros da organização. De olho no contracheque, o intuito do locador bom camarada é conquistar aumento salarial e ser lembrado em uma possível promoção. O presidente da companhia, Sheldrake (Marcos Pasquim), está no rol dos usuários e se vale do quarto e sala para seduzir a garçonete do refeitório Fran (Malu Rodrigues), imigrante polonesa incapaz de notar a paixão platônica que Baxter nutre por ela. Na peça, Simon embute uma discussão sobre as relações de sexo e poder nos ambientes corporativos. O que se vê são homens em posição de comando persuadindo funcionárias do andar de baixo da empresa (secretárias, datilógrafas, telefonistas, ascensoristas) para fins sexuais.

O diretor conseguiu bom rendimento do elenco de dezenove atores. Marcelo Médici se mostra bem à vontade no papel desse servidor generoso com os companheiros de repartição.  Ele destila nuances variadas, passeando da alegria à tristeza, da euforia à melancolia, muitas vezes quebrando a quarta parede e se dirigindo aos espectadores, transformados em confidentes. Merece destaque a cena no final do primeiro ato, quando o ator exprime dor e angústia ao descobrir o romance clandestino da garçonete. Na hora de cantar, sua performance é mais comedida e não brilha na execução de algumas partituras mais difíceis. Malu Rodrigues imprime doçura na composição de Fran, exibindo belíssima voz nos números musicais – ela canta em tom mais grave que seu habitual. Dono de um tipo adequado para interpretar o chefão mulherengo, Marcos Pasquim foi poupado nos segmentos cantados, soltando a voz apenas em um dueto ao lado de Médici.

Mesmo com presença ligeira no espetáculo, Maria Clara Gueiros rouba as duas cenas de que participa. A atriz está impagável ao incorporar a bêbada Marge Macdougall, que conhece o contador num bar, no instante em que ele afoga sua fossa, e arranca entusiasmados aplausos da plateia. Com performance bem-humorada, André Dias dá corpo ao tresloucado Dreyfuss, o médico vizinho do apartamento, que acredita ser Baxter um xavequeiro insuperável. O quarteto formado por Antonio Fragoso (Eichelberger), Fernando Caruso (Dobitch), Rafa Maia (Kirkeby) e Ruben Gabira (Jesse Vanderhof) é responsável por sequências cômicas, especialmente no trecho musical Prá onde levar a mulher? Por sua vez, Juliana Rolim (Miss Olson) oferece bons momentos como a secretária do presidente, assim como Jullie na criação da enfermeira Kreplinski. Apesar da cena curta, Patrick Amstalden valoriza o papel do bravo irmão da garçonete. Completam o elenco Carol Truzzi (Ginger), Lola Fanucchi (Sylvia), Patrícia Athayde (Vivien), além das Bacharach Girls, uma trupe que soma Duda Ramos, Marianna Alexandre, Mayra Veras e Yasmin Lima.

Antigos parceiros da dupla Moeller & Botelho estão reunidos na ficha técnica do musical, resultando numa produção elegante e bem cuidada. Rogério Falcão criou um cenário em tom sépia, para lembrar a época em que se passa ação, incluindo skyline de Nova York ao fundo. Marcelo Marques fez boa pesquisa histórica e concebeu figurinos sofisticados, que aludem ao glamour daqueles tempos. A iluminação de Paulo César Medeiros realça todo o conjunto. A orquestra de oito músicos, com regência e direção musical de Marcelo Castro, sublinha as belíssimas canções. Estas, por sinal, se tornaram clássicos do repertório de Burt Bacharach, como I’ll Never Fall in Love Again, um grande sucesso na voz de Dione Warwick, e I Say a Little Prayer, popularizada por Aretha Franklin. A cereja do bolo foi a inclusão especial de Close to you, entoada sem tradução por Malu Rodrigues. Alonso Barros e Charles Moeller elaboraram coreografias interessantes, muito bem desempenhadas pelo grupo, com destaque para a nonsense natalina Festa do Peru, que encerra o ato inicial. Trata-se de comédia que começa como sátira, desenvolve-se como drama e termina romântica, sem vítimas ou vilões absolutos.

(Vinicio Angelici – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Léo Aversa)

 

Avaliação: Bom

 

Se Meu Apartamento Falasse

Texto: Neil Simon

Músicas: Burt Bacharach

Letras: Hal David

Tradução do Texto: Maria Clara Gueiros e Edgar Duvivier

Tradução das Músicas: Cláudio Botelho

Direção: Charles Moeller

Elenco: Marcelo Médici, Malu Rodrigues, Marcos Pasquim, Maria Clara Gueiros e outros.

Estreou: 21/01/2018

Teatro Santander (Shopping JK. Avenida Juscelino Kubitschek, 2041, Itaim Bibi. Fone: 4003-4858). Quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Ingresso: R$ 50 a R$ 190. Até 24 de fevereiro.

 

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