Teatro: Tebas Land

As coisas não são como parecem ser neste drama febril, que subverte o olhar do espectador. Logo no início, o narrador/dramaturgo informa à plateia que está escrevendo sobre o tema do parricídio, cujo ponto de partida é a história de um filho que, despossuído do amor paterno e acometido por surto de violência, matou o pai autoritário, golpeando-o com 21 golpes de garfo no peito e pescoço. Sua vontade, inclusive, era a de que o assassino atuasse no espetáculo, mas o seu plano acabou interditado pela Justiça. Sem outra opção, convocou um ator para encarná-lo no palco.  

Com direção de Victor Garcia Peralta, a instigante dramatização do texto de Sérgio Blanco, autor uruguaio radicado na França, se desenvolve por meio das entrevistas semanais entre este homem confinado e o escritor. Aos poucos, o relacionamento inicialmente frio adquire contornos de intimidade e de mútua afeição. A intenção, no entanto, não é reconstituir o crime, até porque as minúcias do episódio já constavam no dossiê policial. Em gestação pelo dramaturgo, a peça dentro da peça pretende compreender esse tipo de crueldade e construir uma metáfora teatral moderna da milenar tragédia grega Édipo Rei. O título desta produção, por sinal, faz alusão à cidade-natal dessa figura mitológica que, segundo a profecia de um oráculo, estava destinada a casar com a sua mãe e matar o seu pai.   

Vista como um processo artístico, a mise-en-scène compatibiliza dois planos - o passado (encontros no presídio e os ensaios do trabalho) e a atualidade (aquilo que está sendo exibido ao público). O que se vê é uma sedutora sobreposição de camadas do tempo, incrementada por uma não menos envolvente discussão sobre ética e estética. Como a dramaturgia vai se estruturando ao longo da ação, o embaralhamento entre a realidade e sua representação é proposital. Cabe à audiência sair de seu conforto e não se afligir diante desse expediente nada padronizado. Todo o enredo é desfiado num espaço simples, ora acontecendo em uma quadra de basquete cercada ora sucedendo no estúdio onde o projeto vai tomando forma e sentido.

Despreocupada em imergir na seara dramática ou escavar elementos psicológicos, a direção imprime ritmo e robustez ao jogo metalinguístico. Peralta institui marcações que fazem rolar suavemente a encenação, entrelaçando de maneira inspirada o raciocínio e o afeto daquelas pessoas nutridas de valores e humanidade. Pode-se questionar se o que era incomum nos primeiros momentos passou a ser previsível a partir da percepção da engrenagem que rege a narrativa. Ainda assim, o tom surpreendente mantém intacto o interesse. 

Em plena harmonia, Otto Jr. e Robson Torinni insuflam performances firmes e eficientes. Eles demonstram desembaraço nos diálogos e na fricção entre as duas trajetórias de vida dos personagens. Otto Jr incorpora um dramaturgo que, cativado pelo mito de Édipo, quer compor uma obra que extrapola a definição primária de parricídio. Enfático e crível, ao mesmo tempo afável e tempestuoso, ele age com o intuito de dar nexo e significados ao que está sendo contado. Um desempenho sem excessos ou clichês. Robson Torinni acumula os papeis do parricida e do ator que o interpreta, buscando a distinção pelos trejeitos corporais, o vocabulário e a inflexão verbal. Não é uma tarefa fácil de antemão. Sua habilidade nesse deslocamento, muitas vezes sem hiatos entre e um outro, propicia humanizar ambas as criaturas. Assinada por José Baltazar, a operativa cenografia esfumaça os dois ambientes – a “gaiola” e a sala de criação. Soma-se à competente iluminação de Maneco Quinderé, a pontual trilha sonora de Marcello H. e aos corretos figurinos, criados coletivamente.  

A montagem disponibiliza não só uma investigação vigorosa sobre o complexo ofício teatral como propõe uma reflexão pertinente sobre as instâncias do real e do ficcional e a comunicabilidade possível entre indivíduos de histórias e sentimentos distintos. Sobra uma incômoda questão: entre eles se desenrola um vínculo de compreensão e empatia ou exploração e abuso? Não é por acaso que a cena final soa dúbia e enigmática. 

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )   

(Foto Rodrigo Lopes)

 

Avaliação: Bom

 

Tebas Land

Texto: Sérgio Blanco

Direção: Victor Garcia Peralta

Elenco: Otto Jr. e Robson Torinni

Estreou: 21/6/2019

Sesc 24 de Maio (Rua 24 de Maio, 109, Centro. Fone: 3350-6300). Sexta e sábado, 21h; domingo, 18h. Ingresso: R$ 40. Até 21 de julho.

 

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