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Teatro: Hedda Gabler

A aristocrática, temperamental e impulsiva Hedda se encontra no limite. Presa em um casamento burguês do século 19, está fora do tempo e do lugar, num mundo de primazia masculina. Como não pode suportar o projeto de uma vida sem luxo, ela trocou uma possível liberdade pela segurança conjugal, mesmo considerando-a maçante. E para piorar as coisas, é capaz de cavar seu próprio buraco e se afogar, arrastando junto todo o seu entorno.

A Não Companhia de Teatro encena essa obra do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906) sem mergulhar profundamente no drama. Opta por uma estudada leveza, talvez mais até do que o necessário, sem comprometer a força e essência da peça. Dirigida por Márcio Macena, a trama se inicia após o fim da lua de mel de Hedda (Mel Lisboa) com seu marido Tesman (Dudu Pelizzari). Ele desfruta de uma bolsa de estudos da Universidade e aproveitou os seis meses da viagem de núpcias para desenvolver suas pesquisas. Por sua vez, ela se mostra desinteressada pelos estudos do companheiro, embora torça para que uma ansiada promoção aconteça para ele e ambos possam se estabilizar economicamente.   

O que agrava o cotidiano dessa fêmea dissimulada é a existência de pessoas perdidas que integram o seu círculo afetivo mais íntimo. Esquivo e narcisista, o marido é uma espécie de fóssil erudito, mais afeito aos livros que aos tormentos da sua esposa. O ex-amante dela, Lovborg (Rafael Maia), personifica o intelectual talentoso e meio autodestrutivo, com quem manteve uma relação presumivelmente abusiva no passado. Hoje ele se tornou um potencial rival para a cátedra de Tesman e recebe auxílio em seu trabalho da doce e passiva Thea Elvsted (Carol Carreiro), que Hedda trata com fingida simpatia. Há ainda o juiz Brack (Samuel de Assis), sujeito sarcástico e ladino, disposto a consumir carne e espírito da protagonista. Finalmente Berte (Yael Pecarovich), a enigmática empregada que a tudo acompanha com ares de desconfiança.            

A peça cheia de sutilezas, encharcada de camadas psicológicas e sociais, escancara um estilo de vida civilizado e sofisticado tão impossível de permanecer em pé que não demora a desmoronar. Porque Hedda, que não tem para onde ir e mal consegue disfarçar seu sentimento de naufrágio, exercitará seu poder, com trágicas implicações e consequências. Observa-se, aliás, algo libertador em seus atos. Um par de pistolas, herança de seu pai general, e o sumiço de um essencial manuscrito, serão elementos fundamentais na cascata de acontecimentos no palco.          

O diretor Márcio Macena ignora firulas, sublinha a atemporalidade do enredo e aporta energia no rendimento dos atores. Busca valorizar a palavra, a ironia dos diálogos e desenha marcações que asseguram o ritmo uniforme do espetáculo. Mesmo o público familiarizado com a história poderá ser capturado pela tensão subjacente em cena.

Sem performances arrebatadoras, mas com entusiasmo e energia de sobra, o elenco coeso emana as complexidades e contradições da instigante dramaturgia de Ibsen. Mel Lisboa incorpora Hedda, evocando tanto a altivez quanto a vulnerabilidade dessa madame entediada e caprichosa, que trata o marido com nítido desdém e desprezo. A atriz transmite a natureza peçonhenta da personagem, cruel em seus comentários e exímia na arte da manipulação.   

O crédulo Tesman ganha consistência no desempenho de Dudu Pelizzari. Ele encarna esse fulano ao mesmo tempo ambicioso e frágil, bem-intencionado e carinhoso com a mimada Hedda, embora alheio ao descontentamento dela. Samuel de Assis interpreta o juiz Brack, um indivíduo calculista e de modos desleixados, que parece se divertir ao proferir insinuações lascivas e buscar o controle da situação. Na composição de Lovborg, vítima dos desejos de Hedda, o ator Rafael Maia projeta segurança e naturalidade. Carol Carreiro constrói Thea Elvsted com fisicalidade tímida e nervosa. É convincente no retrato dessa mulher determinada, que deixou o matrimônio para trabalhar com Lovborg e vira presa fácil de Hedda. Um tipo intrigante, testemunha silenciosa dos eventos em curso, a empregada Berte é vivida com desembaraço e humor pontual por Yael Pecarovich. A cenografia de Macena e Morena Carvalho, com caixotes e cortinas, os figurinos de Macena e Carol Badra, de feições de época, e a iluminação climática de César Pivetti e Vânia Jaconis contribuem para endossar as qualidades da produção.

É interessante notar como mais de um século depois a condição da personagem-central não perdeu atualidade. Mulheres aprisionadas em relacionamentos sem amor, reféns de convenções sociais, são mais comuns do que se pode imaginar. O retrato de uma sociedade de classe média no século XIX desdobra-se no tempo e não amarela. Na dramaturgia de Ibsen, que vai à raiz da questão, são sempre os homens que detém a ascendência e domínio enquanto o sexo feminino vaga à procura de seu espaço no mundo.  

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Guto Garrote)

 

Avaliação: Bom 

 

Hedda Gabler

Texto: Ibsen

Direção: Márcio Macena

Elenco: Mel Lisboa, Dudu Pelizzari, Samuel de Assis, Rafael Maia, Carol Carreiro e Yael Pecarovich.

Estreou: 14/6/2019

Espaço Parlapatões (Praça Roosevelt, 158, Centro. Fone: 3258-4449). Sexta e sábado, 21h; domingo, 20h. Ingresso: R$ 50. Em cartaz até 28 de julho. 

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