EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Cock

O confuso John mantém relacionamento emocionalmente abusivo de longa data com o possessivo namorado, mas acabou indo para cama pela primeira vez com uma mulher divorciada, que conheceu durante um intervalo na relação. O que ele sente é amor ou encanto por alguma coisa diferente? Está dada a senha para questionar a sua identidade sexual e decidir com quem deseja ficar. Haverá consequências. O curioso é que, se ele começa indeciso, à medida em que a trama evolui e o contexto adquire mais camadas, ele vai continuar sem muita certeza de nada.

Dirigido sem redundâncias por Nelson Baskerville, o afiado texto do dramaturgo inglês Mike Bartlett apresenta o provocativo triângulo amoroso como uma renhida batalha por afetos, estimulada por inseguranças, manipulações, recriminações e (in)tolerâncias, muitas vezes com ar de interrogatório. A temperatura chega a passar do ponto em um jantar, agora com a introdução de um quarto convidado. Ao mesmo tempo comprometido com as duas partes, John é finalmente pressionado a optar. Tudo transcorre em um espaço cênico minimalista e claustrofóbico, desenhado por Chris Aizner, que faz o espectador se sentir na sala de estar do casal.    

Inspirada em rinhas de galo tradicionais no México, daí o título, a dramaturgia é construída por cenas breves – rounds? -, mediadas por blecautes, e avança oferecendo sutis mudanças de tom. Baskerville mantém o jogo fluente e descomplicado, valorizando as interações, os diálogos babélicos e os sentimentos conflitantes. Cria algumas boas sequências, como a do sexo no meio da história. Trata-se de uma encenação bastante teatral, que permite a expressividade dos personagens e dá destaque à série de confrontos cada vez mais incisivos, em especial na contenda final.

Há desempenhos vigorosos de todo o elenco. Sem usar truques supérfluos, Daniel Tavares enfrenta o desafiador papel de John (único que tem nome), o jovem dividido entre o que a sociedade espera dele e o que ele pensava querer para si. A partir da escolha feita, ele parece não compreender como irá se identificar de agora em diante. Na verdade, John gostou da experiência heterossexual e essa constatação desequilibrou o seu mundo. Por isso, ter de tomar uma decisão o está destruindo. O ator enriquece o trabalho com nuances e é convincente em modular temor, indignação, desconforto e bem-estar. 

Marco Antônio Pâmio adiciona energia e profundidade na pele do indignado e amargurado companheiro de John, o homem mais maduro impactado pela dubiedade do amante. Com segurança, o ator ilumina a vulnerabilidade de seu personagem, de início autoconfiante, que conforme os acontecimentos se sucedem, acaba se deixando abater  pela mágoa.

Na pele da mulher envolvida com John e que ainda lambe as feridas de um relacionamento passado, Andrea Dupré infunde delicadeza, força e determinação. A atriz evita a armadilha potencial de encarnar uma sedutora vulgar e consegue transmitir a ansiedade de alguém que precisa de uma definição para seguir a vida. Afinal, o relógio biológico está correndo e ela não pode perder tempo.  

Como pai afetuoso do filho que está na iminência de ser abandonado pelo namorado hesitante, Hugo Coelho concede veracidade e leveza ao personagem. Ao surgir pouco antes do desfecho, provoca ondas gigantes na dinâmica do enredo ao desembrulhar um discurso binário que reflete a divisão geracional. Argumenta que John precisa escolher entre ser gay ou hetero.    

Bartlett tece uma peça cruel sobre as expectativas da sociedade, as construções sociais sobre gênero e sexualidade, a natureza fluida da vida e a ideia de que o amor é reservado ao indivíduo e não circunscrito a determinados grupos. As criaturas aqui estão atônitas e angustiadas. O vacilante John oscila entre o ideal feminino e o conforto de sua sexualidade aceita. À certa altura, ele diz ao namorado que a mulher com quem se deitou é masculina, na vã tentativa de suavizar a infidelidade. O texto escancara as maneiras como ferimos e enganamos uns aos outros e a nós mesmos no curso dos relacionamentos amorosos.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Pedro Bonacina)

 

Avaliação: bom

 

Texto: Mike Bartlett

Direção: Nelson Baskerville

Elenco: Andrea Dupré, Daniel Tavares, Hugo Coelho e Marco Antônio Pâmio

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