EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Ator não é celebridade

Rachel Ripani lembra-se de quando havia uma clara divisão entre atores que só faziam teatro daqueles que atuavam apenas na televisão. “Aliás, se a gente pegar como referência o início dos anos 1990, após o Plano Collor, sequer havia aqueles que trabalhavam basicamente no cinema, como se vê atualmente. Com poucas exceções, hoje quem entra numa escola de interpretação está pensando em seguir carreira na telinha”, diz ela. A constatação de que a tevê é a meca de todo iniciante não chega a ser um problema, em sua avaliação, desde que haja seriedade na profissão e base de formação, o que normalmente é conquistada no palco. “A tevê e o cinema são trabalhos dignos e também contribuem para melhorar o nível técnico, além de oferecer uma visibilidade que dificilmente o teatro oferece.”

 

A atriz de 34 anos foi vista há pouco na novela das sete da Globo Caras & Bocas, vivendo a personagem Tatiana, assessora de Dafne (Flávia Alessandra) numa galeria de artes. Na trama de Walcyr Carrasco, ela se apaixonava por um judeu ortodoxo interpretado por Sidney Sampaio. O papel rendeu elogios e relativa fama, especialmente pelo fato da personagem ter contraído doença grave e, em conseqüência, acabar raspando todo o cabelo. Não é a primeira vez que Rachel migra dos palcos para a telinha. Sua estréia deu-se em 1994 na novela Zazá, quando encarnou uma das filhas da personagem de Fernanda Montenegro. De lá para cá, trabalhou em teleteatro da TV Cultura, atuou em outras novelas e passou por Malhação.

Se muitos atores de carreira teatral se queixamde que ao chegarà televisão são olhados com certo desdém, Rachel afirma que não sofreu preconceito algum. “É fato que tempos atrás não se costumava dar valor para quem vinha do teatro, mas hoje em dia isso mudou e no meu caso o respeito é maior porque falo outros idiomas, canto, estudei no Exterior, fiz comédia, drama, stand-up. É uma formação diferente comparado aquele que começou cedo na televisão e não teve tempo para aprimorar-se na profissão, o que o deixa sem repertório.”

Ator x celebridade. Outras questões, em sua opinião, contribuem para atrapalhar o desenvolvimento profissional. Na televisão, muitas vezes os atores são pressionados ou se deixam aprisionar por rótulos e estereótipos. É o galã, eternamente galã, a boazinha, eternamente boazinha. E, se depender de alguns colegas, mais interessados em falar da vida pessoal do que da carreira, a coisa só tende a piorar. “O Selton Mello diz que ator não é celebridade, que está havendo uma terrível confusão. Eu sempre digo que meus personagens são mais importantes que minha vida, eu procuro ter personalidade artística”, assinala. Por conta dessa banalização, Rachel volta e meia recebe e recusa convites para estrelar espetáculos com cheiro de caça-níquel e algum BBB no elenco. 

Ela, no entanto, confessa que também nutriu preconceitos pelo meio durante muitos anos. “Para quem fazia teatro com Antunes Filho, estudou na escola de Peter Brook, achava que ia me vender para o sistema. Mas é tacanho pensar assim, é permanecer numa gaiola artística, eu cresci muito como artista na tevê”. Hoje enxerga certa injustiça por parte de críticos que avaliam a novela como um produto de dramaturgia pobre. “A novela é tecida no calor da hora, o autor escreve vários capítulos diariamente, não dá para exigir que saia dali um texto do nível de Ibsen, que teve o tempo todo do mundo para criar”. Os autores de telenovela, assim, têm méritos de sobra. “É incrível como Gilberto Braga e Walcyr Carrasco, entre outros, conseguem mobilizar a atenção de um país inteiro mesmo dentro desse esquema radical e extenuante de trabalho.”

Em Caras & Bocas, Rachel construiu uma personagem que não precisou aparecer em trajes sumários ou apelar para clichês para colher elogios. E encarou com tenacidade o desafio de ficar careca em rede nacional. Mas a atriz, de rosto bonito e corpo bem feito, sofreu um bocado quando se viu enfeada sem cabelos. “Eu chorei muito porque me achava esquisita, desprotegida, não queria sair do meu hotel, mas o que aliviou foi a repercussão positiva que gerou”. Ela se refere às várias pessoas portadoras de câncer que se aproximaram nesses meses todos com palavras de conforto. Numa estréia teatral em São Paulo, Rachel apareceu com uma florzinha na cabeça raspada e foi bastante assediada. “Mulheres curadas ou se curando de câncer vieram me abraçar, contar suas histórias de luta, coragem e superação. Como sou emotiva, eu me derretia.”

Foi a avó de Rachel a grande inspiradora para que seguisse na profissão de atriz. “Eu tinha 12 anos quando ela me levou para assistir O Mistério de Irma Vap e o meu mundo mudou de vez a partir dali”, conta. Não parou mais. Fez musicais (Gota D´Água), dramas (Closer), tragédias (Rei Lear), comédias (O Pior de São Paulo), stand-up (Confissões de Acompanhantes), além de estudar interpretação na Inglaterra, na prestigiada e concorrida escola Cygnet Theater School, de Peter Brook.

De tudo um pouco. Também desenvolveu outras frentes de trabalho, como antídoto para o caso da carreira não vingar. Aprendeu idiomas, cursou gastronomia, “adoro cozinhar comida francesa e italiana”, sobreviveu fazendo dança do ventre. “Infelizmente é uma atividade com má fama, cheguei a receber uma nota de 100 dólares junto com cartão de visitas, o que me deixou ofendida por ter sido vista como garota de programa”, lembra-se. Certa vez caiu em depressão, logo após finalizar Zazá. “Desabei porque tive um começo de carreira acelerado, fiz o CPT do Antunes, fui para o Exterior, voltei para a televisão, aí, na hora que acabou a novela, não sabia mais quem eu era e se havia tomado o rumo certo.”

Rachel é movida a eletricidade. Mantém um blog descontraído na internet, cava tempo para ler histórias em quadrinhos, “eu curto bastante o quadrinista inglês Neil Gaiman, hábil em misturar mitologia e realidade”, e solta a voz nas horas vagas na banda de rock eletrônico Mad Hatter. A atriz canta e compõe também para publicidade. É dela a letra de um comercial do absorvente Íntimus, que mostra uma mulher caminhando enquanto os homens a acompanham com o olhar.

Atualmente trabalha com Tejo Damasceno, músico do coletivo Instituto, e em breve será vista no filme Carro de Paulista, de Ricardo Pinto e Silva. No teatro, produziu o elogiado Anatomia Frozen, peça que fala de abuso sexual infantil, e eventualmente exercita-se no stand-up comedy com o espetáculo de sua autoria Garota de Programa. Recentemente apresentou o solo cômico em uma festa fechada. “Foi surreal. Estava a Xuxa, a esposa do presidente de Angola e eu falando um monte de besteiras.”

A cereja do bolo é sua estréia neste ano como dramaturga com a peça Ishtar, montagem que reunirá os amigos Walter Breda, Rubens Caribé e Rosi Campos. Trata-se de uma comédia sobre uma virgem de 50 anos que quer se libertar desse carma. “É uma brincadeira sobre sexualidade depois dos cinqüenta anos”, define. Para a atriz, a arte existe para fazer refletir, emocionar, rir, provocar catarse. “Agora só falta eu ser acrobata e bailarina”, brinca Rachel, fiel discípula de um lema de Paulo Autran, que um dia lhe ensinou que todo artista tem de ser completo.

(Foto da página inicial: Crispino)

Edgar Olimpio de Souza

 

 

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