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Artigos

Invasão inglesa

Poucas vezes o teatro paulistano foi ocupado por uma leva de peças inglesas contemporânea. A impressão é a de uma verdadeirainvasão. O público agradece porque a temporada ganha mais uma opção em meio a musicais americanos, comédias ligeiras e o chamado teatro alternativo. Desde o início deste ano os palcos da cidade estão abrigando um boom de montagens de peças de dramaturgos da terra de Shakespeare, por sinal, um autor com cadeira cativa aqui – Medida Por Medida e MacBeth foram encenadas há pouco. A tendência já dura algum tempo. Nomes como o de Mark Ravenhill (Piscina Sem Água), Sarah Kane (Psicose 4.48), Patrick Marber (Close) e Tom Stoppard (Travesties) ganharam de vez visibilidade. 

No momento, a temporada local abriga dez espetáculos de hálito inglês - Os Penetras, O Amante, Tempo de Comédia, Blackbird, Dueto Para Um, Êxtase, Mamma Mia, Ligações Perigosas, Os 39 Degraus e A Festa de Abigaiu. Trata-se de fenômeno que, longe de ser mera coincidência, revela que a dramaturgia daquele país europeu exerce algum tipo de fascínio no público brasileiro.

O que tem aterrissado por aqui são dramas contundentes ou comédias ácidas. No primeiro caso estão os recém-saídos Olhe para Trás com Raiva, de John Osborne, sobre um proletário que olha para trás por não ter motivos para olhar em frente, e Anatomia Frozen, de Brian Lavery, denso estudo psicológico sobre a mente conturbada de um pedófilo. No segundo grupo, Celebração, de Harold Pinter, que exibia personagens obcecados por sexo, dinheiro e status.

“Todo ano surgem na Inglaterra vários autores e ao menos uns dez vingam, numa proporção acima do que notamos no Brasil, por exemplo”, diz Laerte Melo, ator e gerente cultural da Escola de Idiomas Cultura Inglesa, que anualmente organiza um festival que celebra a dramaturgia daquele país. “Tenho percebido que os projetos apresentados aqui não se limitam mais a Shakespeare e aos ‘veteranos’ Tom Stoppard e Harold Pinter (foto ao lado). A preferência agora é por autores que surgiram nas últimas duas décadas.”  

Perversão. São tramas quase sempre de enredos simples, mas complexas e sutis na maneira como abordam temas espinhosos. É o caso de Blackbird (foto de abertura), de David Harrower, que explora a tênue fronteira entre a paixão e perversão, o amor e o abuso, num espetáculo contundente e nervoso. A peça não se limita a dissecar um caso de pedofilia, que durou três meses e levou à prisão um homem de 42 anos e jogou no ostracismo uma pré-adolescente de doze. De certa forma, expande o tema para a revisão de um relacionamento que deixou marcas profundas e revelou-se uma tempestade emocional. O reencontro quinze anos depois resulta num balanço dolorido e amargurado sobre um episódio de transgressão que mudou para sempre a vida dos protagonistas.

Em O Tempo da Comédia, de Alan Ayckbourn, a sátira à televisão é apenas uma das facetas do texto, que poderia muito bem ser entendido como um pesadelo não fosse o tempero humorístico injetado pelo autor. Afinal, num futuro breve os atores foram substituídos por andróides nas telenovelas e um deles, uma enfermeira, parece ter uma falha porque não pára de rir durante a gravação de uma cena tensa dentro do hospital. É uma peça cheia de significados e reflexões, que transita e passeia por temas como feminismo, inteligência artificial, morte da comédia, desumanização e romance híbrido.

Conhecido pelo olhar implacável com que esmiúça as diferenças de classe na Inglaterra de Thatcher e depois dela, o escritor e cineasta Mike Leigh emplaca três peças na atual temporada. Na comédia de esconde-esconde Os Penetras (foto ao lado), circulam pelo palco temas como conflitos familiares, ressentimentos de funcionários e dissonâncias adolescentes. Com humor mais mordaz, A Festa de Abigaiu reúne personagens de um condomínio que representam aspectos da classe média britânica – há a burguesia emergente, a mulher culta e melancólica, o casal meio tosco.

“Os ingleses são mestres em compor retratos agudos da sociedade atual, filtrando os temas pelos poros do realismo crítico ou por comédias com aroma de tragicomédia”, explica o diretor de ambas as montagens, Mauro Baptista Vedia, responsável também pelo melancólico e pungente drama social Êxtase, do mesmo dramaturgo.

Vedia assim ainda Ligações Perigosas, baseada na peça homônima do inglês Christopher Hampton, já levada ao cinema por Stephen Frears. Trata-se de um ferino e perverso jogo de seduções, vinganças e traições envolvendo representantes da aristocracia francesa pré-revolucionária, num elenco capitaneado pela atriz global Maria Fernanda Cândido no papel da manipuladora Marquesa de Merteuil. 

Diversidade. Nem sempre, porém, o tom é de crítica social ou triângulos amorosos emoldurados por silêncios constrangedores, como o recente Tape, de Stephen Belber. Com uma série de personagens, encarnados por apenas quatro atores em cena, Os 39 Degraus é uma amalucada comédia de suspense cheia de efeitos criativos, ações físicas e diálogos metralhados.  A trama, que já foi filmada em 1935 por Alfred Hitchcock, gira em torno da misteriosa morte de uma agente secreta e a perseguição ao suspeito. Por sua vez, Dueto Para Um (foto ao lado), de Tom Kempinski, transcorre num consultório psiquiátrico. Em seis sessões, uma violinista impossibilitada de continuar exercendo sua atividade, desespera-se diante do médico, num pulsante embate de diálogos e idéias.

Nessa linha mais light, o fenômeno Mamma Mia desponta na cena paulistana com elenco de 32 atores. Escrita originalmente por Catherine Johnson, a peça recebeu recentemente uma badalada adaptação cinematográfica estrelada por Meryl Streep. O espetáculo é amplamente dominado pelas mulheres e tem como fio condutor as canções pop dançantes do quarteto sueco Abba, com letras e músicas de Benny Andersson e Björn Ulvaeus.

Com apenas onze anos de estrada, o musical já ganhou montagens em várias cidades do planeta e se tornou referência nos principais teatros europeus. A trama é tão simples quanto eficiente e funciona para acompanhar a música. Às vésperas de seu casamento, uma noiva convida para a cerimônia três homens que fizeram parte do passado de sua mãe solteira e que há duas décadas não a viam. Tudo se passa em uma aprazível ilha grega. O público, claro, é envolvido por uma overdose de clássicos do repertório do Abba como Dancing Queen e The Winner Takes It All, entre outros hits.

Em O Amante, Paula Burlamaqui e Daniel Alvim formam um casal que, entediado com a rotina, promove jogos amorosos e inventa amantes imaginários. Na superfície, Harold Pinter, morto em 2008, parece não dizer nada de importante. Abaixo da linha d’água, no entanto, descortina um mundo de hipocrisias e lutas de poder.  

Em setembro deixou os palcos de São Paulo um texto tipicamente britânico. Com a conhecida fleuma inglesa que não permite arroubos emocionais, Nathalia Timberg e Rosamaria Murtinho interpretaram a amante e a mulher de um homem que preferiu fugir com uma jovem no acadêmico Sopros de Vida (foto ao lado). O acerto de contas montado por David Hare escorria em tempo lento, o suficiente para captar e expressar sentimentos em desuso nos tempos atuais, como tolerância e generosidade.

Poucas dramaturgias contemporâneas têm dado conta melhor da realidade do que os ingleses. A nova safra inglesa de autores dinamitou o melodrama e subverteu o drama clássico.

 

(Edgar Olimpio de Souza - O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

Foto inicial: Joana Mattei (peça Blackbird)

 

ANOTE AÍ:

 

O Amante. De Harold Pinter. Direção Francisco Medeiros. Com Paula Burlamaqui e Daniel Alvim. Teatro Alfa – sala B (Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722, Santo Amaro. Fone: 5693-4000). Sexta, 21h30; sábado, 21h; domingo, 20h. Ingresso: R$ 30 e R$ 40. Até 19 de dezembro de 2010.  

Blackbird. De David Harrower. Direção Alexandre Tenório. Com Nelson Baskerville e Cristina Cavalcanti. Viga Espaço Cênico (Rua Capote Valente, 1323, Sumaré. Fone: 3801-1843). Sexta e sábado, 21h; domingo, 19h. Ingresso: R$ 30. Até 19 de dezembro de 2010.

Dueto Para Um. De Tom Kempinski. Direção Mika Lins. Com Bel Kowarick e Marcos Suchara. Tucarena (Rua Monte Alegre, 1024, Perdizes. Fone: 3670-8455). Sexta e sábado, 21h; domingo, 19h30. Ingresso: R$ 30 e R$ 40. Até 27 de fevereiro de 2011.                                                                                       

Êxtase. De Mike Leigh. Direção Mauro Baptista Vedia. Com Mário Bortolotto, Eduardo Estrela, Erika Puga e outros. Espaço Parlapatões (Pça. Franklin Roosevelt, 158, Centro. Fone: 3258-4449). Sábado, 21h; domingo, 19h. Ingresso: R$ 40. Até 13 de março de 2011.                                                      

A Festa de Abigaiu. De Mike Leigh. Direção Mauro Baptista Vedia. Com Esther Laccava, Edua Guimarães, Fabiana Corlucci e outros. Mube (Rua Alemanha, 221, Jardim Europa. Fone: 2148-2905). Terça e quarta, 21h. Ingresso: R$ 45. Até 15 de dezembro de 2010. 

Ligações Perigosas. De Christopher Hampton. Direção Mauro Baptista Vedia. Com Maria Fernanda Cândido, Marat Descartes, Chris Couto e outros. Teatro Faap (Rua Alagoas, 903, Pacaembu. Fone: 3662-7233). Sexta, 21h30, sábado, 21h; domingo, 18h. Ingresso: R$ 70 e R$ 80. Até 30 de abril de 2011. 

Mamma Mia. De Catherine Johnson. Direção original Phyllida Lloyd. Adaptação Cláudio Botelho. Com Kiara Sasso, Saulo Vasconcelos, Rachel Ripani e outros. Teatro Abril (Av. Brigadeiro Luís Antônio, 411, Bela Vista. Fone: 2846-6060). Quarta a sexta, 21h; sábado, 17h e 21h; domingo, 16h e 20h. Ingresso: R$ 80 a R$ 250. Em cartaz por tempo indeterminado. 

Os Penetras. De Mike Leigh. Direção Mauro Baptista Vedia. Com Marcello Airoldi, Ana Andreatta, Paula Arruda e outros. Teatro Jaraguá (Rua Martins Fontes, 71, Centro. Fone: 3255-4380). Sexta, 21h30; sábado, 21h; domingo, 19h. Ingresso: R$ 50 e R$ 60. Até 27 de fevereiro de 2011.

Os 39 Degraus. De Patrick Barlow. Direção Alexandre Reinecke. Com Dan Stulbach, Danton Mello, Henrique Stroeter e Fabiana Gugli. Teatro Shopping Frei Caneca (Rua Frei Caneca, 569, Consolação. Fone: 3472-2229). Sexta, 21h30; sábado 21h; domingo 19h. Ingresso: R$ 70 e R$ 80. Até 13 de março de 2011.

Tempo de Comédia. De Alan Ayckbourn. Direção Eliana Fonseca. Com Luiz Damasceno, Júlia Carrera, Eduardo Muniz e outros. Teatro Cleyde Yáconnis (Centro Empresarial do Aço. Av. do Café, 277, Vila Guarani. Fone: 5070-7018). Sexta, 21h30; sábado, 21h; domingo, 19h. Ingresso: R$ 30 e R$ 40. Até 28 de novembro de 2010.

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