O Sétimo Selo

O personagem Antonius crê em Deus, mas deseja provas consistentes de sua existência. Também está à procura de um sentido para a vida. Nesta obra-prima, de volta aos cinemas em cópia restaurada em digital, o cineasta sueco Ingmar Bergman examina questões agudas sobre a condição humana – o longa, inclusive, abre com uma citação do Livro do Apocalipse. Em um preto e branco impressionante, que realça o olhar sombrio com que enxerga o homem, o mítico diretor desembrulha cenas inesquecíveis, como a da Morte guiando um grupo de pessoas colina acima. Esta e outras imagens, por sinal, foram celebradas e parodiadas em inúmeras produções cinematográficas desde então. Bergman, o cineasta japonês Akira Kurosawa e o diretor italiano Federico Fellini são nomes que, no século passado, contribuíram decisivamente para a evolução da sétima arte.

Pouca gente sabe, mas a inspiração para um dos maiores clássicos da história do cinema veio em 1956, um ano antes de chegar à tela grande. Enquanto fazia a barba e ouvia Carmina Burana, ópera de Carl Orff, o cineasta foi atormentado pelas imagens de Les Saltimbanques, de Picasso, e de Cavaleiro, morte e diabo, de Albrecht Durer. Também foi acometido por lembranças da lenda de Fausto, o homem que teria selado pacto com o demônio.   

A partir dessa manhã iluminada, Bergman concebeu a trama. Ambientada no século XIV durante a Idade Média, época de convulsões religiosas na Europa, acompanha o retorno do cavaleiro Antonius (Max Von Sydow) e seu escudeiro Jon (Gunnar Björnstrand) das Cruzadas. Ambos chegam a uma terra devastada pela peste negra. Nesse cenário soturno, se deparam com teólogos, responsáveis pela Guerra Santa, que roubam dos mortos, presenciam uma bruxa prestes a ser queimada na fogueira, cruzam com uma trupe de atores bufões, formada pelo jovem casal Mia e Jof (Maria e José) e seu bebê.  

Mas o principal encontro é com a Morte em uma praia rochosa, no instante em que  haviam parado para descansar. Em cena impactante, Antonius desafia a figura sinistra para um jogo de xadrez. Alimenta a esperança de ganhar tempo suficiente para resolver suas dúvidas existenciais, porque busca respostas e anseia saber se Deus realmente existe. No íntimo, acredita que vive num mundo de fantasmas. Tal tormento ele confessa na igreja, para um sacerdote que, na verdade, era a Morte disfarçada. Filho de pastor luterano, Bergman sempre foi fustigado por questões relacionadas a Deus e sua ausência na vida dos homens, tema central neste longa-metragem e que, de maneiras diferentes, contaminou toda a sua filmografia.

O filme, aliás, é pontuado por interpretações religiosas. Cada personagem defende suas próprias convicções religiosas. O jovem ator, por exemplo, afirma ver a Virgem Maria. Aldeões condenaram uma mulher à morte por confiarem que ela manteve relações sexuais com o diabo. Uma procissão de flagelantes, composta por homens, mulheres e crianças vestidos de negros, interrompe uma apresentação dos menestréis. Ao som de cânticos que parecem entoar o fim do mundo, eles se sacrificam com chicotes e se atiram ao chão para pedir perdão ao Pai. 

O título, claramente extraído do Livro das Revelações, não remete apenas ao tema do julgamento final. Mais do que isso, o filme é sobre a ausência de comunicação entre o homem e o criador do universo, a falta de sentido da vida ou a indiferença de Deus. Basta observar como os personagens se dirigem a um Ser ausente, sempre silencioso. Bergman não renega a existência divina, mas questiona o seu aparente alheamento. Curiosamente, a Morte é a única figura que ganhou corpo e expressão no enredo. Há um sentimento de completo abandono que emana daquela gente entregue à própria sorte. A vida é um jogo impossível de vencer, indica o diretor. Mesmo que consigamos estendê-la antes da viagem derradeira, iremos descobrir, desolados, de que nada sabemos sobre ela.  

(Edgar Olimpio de Souza)

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

O Sétimo Selo

Título Original: Det sjunde inseglet (Suécia, 1957)                                                       

Gênero: Drama, 96 minutos                                                                                                  

Diretor: Ingmar Bergman                                                                                                 

Elenco: Max Von Sydow, Gunnar Björnstrand, Bengt Ekerot, Nils Poppe, Bibi Andersson e outros. 

 

Veja trailer do filme:

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