Cinema: A Lua de Júpiter

Clima tenso. Refugiados sírios estão tentando entrar na Europa via Hungria, em viagem temerária por um rio na calada da noite. A polícia de fronteira, no entanto, flagra o grupo de imigrantes, começa a atirar e derruba a pequena frota de barcos. Há uma fuga por campos e bosques e o jovem Aryan (Zsombor Jéger) é baleado no coração pelo corrupto agente policial László (György Cserhalmi). Aí acontece o insólito: milagrosamente o fugitivo ressuscita e passa a ter o poder de levitar, algo que nunca será explicado. Conduzido a um hospital em Budapeste, o agora super-humano fica sob os cuidados do endividado e alcoólatra Gabor Stern (Merab Ninidze), médico que atua nos campos de expatriados como uma espécie de expiação, assombrado por um passado de culpas. Sua missão, como lhe informam, é livrar o comissário de sua responsabilidade na suposta morte do jovem sírio. Mas ao testemunhar a incrível aptidão do paciente, o cirurgião decide protegê-lo, com propósitos nada nobres. Ele o convence a usar suas habilidades para ambos ganharem dinheiro rapidamente.

No audacioso drama humanista do cineasta húngaro Kornél Mundruczó, este estrangeiro ilegal, cujo pai é carpinteiro e se perdeu dele durante a debandada, pode ser um novo Messias, um anjo que surgiu para levar uma nova mensagem para uma Europa despida de fé, intolerante aos imigrantes e avalista de uma política fascista contra pessoas nessa condição. O título, aliás, fala de uma lua chamada Europa, de superfície gelada, uma das 67 que gravitam em torno de Júpiter e a única que poderia ser berço de novas formas de vida, como anuncia o prólogo. 

Após a eletrizante e desesperada sequência inicial, o longa evolui como um thriller de ação, incluindo até perseguição de carros pelas ruas de Budapeste com uma câmera acoplada no capô de um deles. Aos poucos uma Hungria xenófoba e em plena decomposição moral vai se desnudando. Um país capaz de piscar para turistas ricos e atacar migrantes pobres, habitada por sujeitos movidos por atitudes e motivações venais, como o comissário László e o doutor Stern. O dissimulado médico, por exemplo, usa o jovem sírio para maravilhar enfermos supersticiosos, dispostos a desembolsar fortunas por alguém com dons divinos e presumível capacidade de cura. Caso de um ricaço que, num banho turco, deixa-se encantar diante do rapaz que flutua no ar.  

O filme oferece diversas cenas coreografadas, de impacto visual. Em uma delas, Aryan escapa pela janela flutuando e sua sombra desliza pelas janelas de um edifício de apartamentos até o chão. Em outra passagem lírica, num hospital, ele paira de cabeça para baixo sobre uma criança deslumbrada pelo que vê. Na casa de um racista, a câmera acompanha seu voo sob variadas perspectivas, demolindo a gravidade do espaço.

Não se trata de uma produção imune a imperfeições. Mundruczó adiciona uma subtrama, a do pai do protagonista envolvido em um evento terrorista, que contribui quase nada para a sua parábola religiosa. Por vezes, as conexões dentro da história são frágeis e desequilibram o fio narrativo. E algumas relações interpessoais, como o envolvimento entre Stern e Aryan, não se aprofundam satisfatoriamente. Nada disso, porém, ofusca uma obra original e estranha, que embaralha comentários políticos com o sobrenatural e o fantástico para falar da crise dos imigrantes, a perda de crença religiosa, alienação, violência e sacrifícios. Aryan é uma figura que simboliza o sonho dos refugiados em fugir de um mundo entregue à selvageria e obcecado pelo dinheiro.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto: Divulgação)

 

Avaliação: Bom

 

A Lua de Júpiter

Título Original: Jupiter's Moon (Hungria/Alemanha, 2017)

Gênero: Drama, 123 min

Direção: Kornél Mundruczó

Elenco: Merab Ninidze, Zsombor Jéger, György Cserhalmi e outros

Estreou: 31/05/2018

 

Veja o trailer:

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