Cinema: A Grande Dama do Cinema

A trupe que reside nesta mansão decadente, por onde circulam ratos e gambás, é composta por pessoas petulantes, inclinadas a fazer o impossível para não perder o modo de vida que ali instauraram. Uma dessas criaturas insolentes é uma estrela do passado do cinema argentino (papel de Graciela Borges), tão refém de suas memórias quanto absorvida por fragmentos de seus trabalhos antigos. Uma estatueta de ouro, que decora o saguão de entrada do casarão ajardinado, simboliza o período em que brilhava na tela grande.

Ela convive neste local com o marido (Luis Brandoni), um ator que viveu à sua sombra e hoje se locomove em cadeira de rodas, um desiludido roteirista de filmes (Marcos Mundstock) e um veterano cineasta (Oscar Martines), ambos importantes na trajetória profissional da agora ex-atriz. Se o espectador logo pensou em Crepúsculo dos Deuses não errou. Da mesma forma que o clássico de Billy Wilder, esta obra do diretor argentino Juan José Campanella (O Segredo de Seus Olhos) também funciona como metáfora para a história do cinema e suas rupturas e transformações, que costumam destronar artistas e desnudar a efemeridade do sucesso.

Como a época da fama ficou para trás, e sobraram melindres e ressentimentos, o esporte preferido desse quarteto ainda orgulhoso e que mal sai para a rua é gastar o tempo trocando ofensas suaves e provocações sutis. A aparente feliz coexistência, no entanto, é abalada após a chegada inesperada de dois supostos agentes imobiliários (Nicolas Francella e Clara Lago), firmemente dispostos a negociar a venda do imóvel. Ou seja, o estilo de vida descompromissado do grupo pode estar prestes a desmoronar diante da lei do mais forte. Especialmente dos três homens, que não se furtam em engendrar um plano para se livrar dos corretores, que souberam seduzir a diva para topar o negócio. Eles acabam assumindo o papel de vilões, porque toda narrativa, como lembra um deles, precisa da existência de um mocinho e um vilão. 

Trata-se de uma comédia de humor negro, temperada por diálogos espirituosos e irônicos e um sentimentalismo que jamais escorrega para o exagero. O enredo se alimenta dos choques entre os personagens maduros e o jovem casal, que almeja se apossar da moradia valendo-se de artifícios nada virtuosos. Partidas de bilhar e xadrez entre eles, por exemplo, sinalizam que todos ali sabem o jogo que está sendo jogado. A trama transcorre quase que inteiramente no palacete, com exceção de raras passagens em restaurantes e escritórios. Uma das boas sequências chega a fazer uma referência ao universo do teatro, quando acontece um providencial blecaute.

Campanella assina uma refilmagem digna de Los muchachos de antes no usaban arsénico (1976), uma produção de José A. Martínez Suárez que ganhou prestígio dentro da cinematografia do país vizinho. Ele não mascara, inclusive, a alegoria de mostrar o trio masculino como representação da Junta Militar, integrada por três militares, que instituiu um governo autoritário na Argentina nos anos 1970 e 80 e causou o sumiço de milhares de opositores – na fita também há personagens que desapareceram sem serem devidamente investigados. Um filme divertido e sombrio.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Divulgacão)

 

Avaliação: Bom

 

A Grande Dama do Cinema

Título Original: El cuento de las comadrejas (Argentina/Espanha, 2019)

Gênero: Comédia, 123 min

Direção: Juan José Campanella

Elenco: Graciela Borges, Luis Brandoni, Marcos Mundstock, Oscar Martines, Nicolas Francella e Clara Lago.

Estreou: 16/05/2019

 

Veja trailer do filme:

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