Forever Young

Os personagens aqui, na beirada dos noventas anos, não estão parados no tempo, entregues à letargia e à placidez. Nos intervalos em que a enfermeira se ausenta do local, um retiro de artistas aposentados, eles resgatam a vitalidade do passado e incendeiam o lugar. Apesar das dificuldades em andar, falar e se lembrar, esta trupe de ex-cantores e ex-atores ainda consegue cantar, interpretar e se divertir como crianças. Ambientada em 2050, a comédia musical do dramaturgo suíço Erik Gedeon, que ganhou versão brasileira assinada por Jarbas Homem de Melo, não se erige a partir de uma trama convencional e diálogos responsáveis pelo desenvolvimento do enredo. Sua estrutura é simples. É possível afirmar que a dramaturgia se constrói ao longo de uma sucessão de esquetes, temperadas por canções que servem para contar a história e transmitir emoções. Até porque, em uma casa de repouso não costumam acontecer muitas coisas e todos estão reféns das atribulações da idade, quando as articulações ficam mais rígidas e a mente não exala mais o vigor de antes. Na proposta bem sucedida do autor, cabe ao espectador observar o comportamento desses homens e mulheres quase centenários e meio amalucados que, no ocaso da existência, ainda se dedicam a viver a vida em sua plenitude – na apresentação inicial, cada um deles surge em cena exibindo suas limitações físicas, manias e rabugices.

A essência da peça salta à vista por meio da reencenação desajeitada de clássicos teatrais, números de dança, canto e mágica, travessuras feitas com espírito adolescente, lembranças evocadas, alguns conflitos e certas implicâncias. Não por acaso, pelo cenário estão espalhados cartazes de montagens de vários atores nacionais, num tributo aos artistas que fazem parte da crônica do teatro brasileiro. É essa combinação em fina sintonia que dá liga ao texto. Por sinal, os atores usam seus próprios nomes. Nesse lar da terceira idade, vemos figuras ímpares como o apaixonado casal Cláudia (Claúdia Ohana) e Jarbas (Jarbas Homem de Melo), que se conheceu em uma fila durante uma audição. Ela chegou a ser diva dos palcos em papeis como Julieta em Romeu e Julieta, e Nina, de A Gaivota. Ele atuou como mágico, performer e sapateador. Homem de poucas palavras e um tanto mal-humorado, Tumura (Marcos Tumura) foi roqueiro e hippie. Com tosse persistente, o ex-ator Carmo (Carmo Dalla Vecchia) é um viúvo solitário e romântico, que tem o estranho hábito de carregar um aquário. Ex-ativista na mocidade, a radical Paula (Paula Capovilla) é desbocada e adepta do lema sexo, drogas e rock´n´roll. Um pianista (Miguel Briamonte) contracena com os demais por olhares e gestos. Há ainda uma enfermeira (Fafy Siqueira) que, embora revele zelo pelos residentes, perde facilmente as estribeiras diante das atitudes intempestivas dos velhinhos.       

Escorado em boas atuações, o elenco enfrenta o desafio com diligência e caracterizações que buscam fugir de estereótipos, num trabalho gestual que contou com a preciosa participação da preparadora Renata Mello. A atriz Cláudia Ohana é convincente na pele de uma senhora que, assolada por sinais de demência, por vezes caminha aleatoriamente pelo espaço. Jarbas Homem de Melo mostra desembaraço ao dar vida a um sujeito doce e terno. Dona de voz poderosa, Paula Capovilla arranca risos na composição de uma senhora ao mesmo tempo rude e irreverente. Carmo Dalla Vecchia e Marcos Tumura exibem desempenhos seguros. Ambos protagonizam uma sequência na qual seus respectivos personagens se distraem agredindo um ao outro, empregando para isso formas bastante criativas. Tumura enseja ainda outra cena burlesca, ao cantar em forma de pot-pourri por não se lembrar integralmente das músicas. Conhecida pela veia cômica, Fafy Siqueira faz a enfermeira sem tato, que em uma passagem absurda interpreta uma música que fala da morte e de proximidade que eles estão da sepultura. Como um atônito pianista que eventualmente recorre a uma máscara de oxigênio, Miguel Briamonte executa canções que captam e expressam o temperamento, o ânimo e o humor dos personagens. São hits que marcaram várias gerações, um mosaico que inclui de Califórnia Dreamin a Rehab, de Forever Young a Smells Like a Teen Spirit, de Valsinha a Do Leme ao Pontal.

O espetáculo abre espaço para extratos dramáticos, mas é o tom cômico que sobressai. Não faltam exemplos de momentos hilariantes. Como um número mequetrefe de ilusionismo, uma personagem que perde pedaço do corpo, uma urna posicionada sobre o piano que contém as cinzas de um artista famoso – aliás, durante a encenação brotam referências ao universo artístico brasileiro. Mesmo vinculado ao registro da comédia, o texto expõe uma colcha de temas contemporâneos relacionados à maneira como os idosos são tratados em um mundo marcado pela ode à juventude. Isso não significa que a obra seja condescendente com os mais velhos. Há um esforço visível para difundir o conceito de que qualquer pessoa, não importa a sua faixa etária, tem plenas condições de brincar e dar asas à sua imaginação. O musical trata de forma delicada e bem-humorada a inevitável passagem do tempo.

(Emerson Rossi – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Bom

 

Forever Young

Texto: Erik Gedeon

Direção: Jarbas Homem de Melo

Elenco: Jarbas Homem de Melo, Fafy Siqueira, Cláudia Ohana, Carmo Dalla Vecchia, Marcos Tumura, Paula Capovilla e Miguel Briamonte.

Estreou:19/08/2016

Theatro Net São Paulo (Shopping Vila Olímpia. Rua Olimpíadas, 360, Vila Olímpia. Fone: 4003-1212). Sexta e sábado, 21h; domingo, 18h. Ingressos: 50 a R$ 100. Até 18 de dezembro.  

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