EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Estado de Sítio

O ensaísta francês, nascido na Argélia, Albert Camus (1913-1960) tece aqui uma desconfortável alegoria política sobre o totalitarismo. Tudo se passa na cidade fortificada espanhola de Cádiz, intencionalmente escolhida pelo autor como símbolo das ditaduras que assolaram a Europa depois da Primeira Guerra Mundial, em especial o governo fascista liderado por Franco na Espanha a partir de 1936. A peça, que ganhou montagem oportuna de Gabriel Villela, se estrutura como uma tragédia grega, incluindo forte presença do coro. Após a passagem de um misterioso cometa, em um dos momentos mais encantatórios da encenação, o governador estabelece que o evento astronômico deve ser sumariamente ignorado e quem lembrá-lo será punido. Sua intenção não deixa dúvidas. Tudo deve continuar como está - a monotonia e estagnação servem de estratégias políticas e a ausência de ideais e ações coletivas são muito bem-vindas.

Claro que tais decisões irão abrir a porta para o despotismo e os oportunistas à espreita. Que chegam nas figuras da Peste (Elias Andreato) e sua secretária, a Morte (Cláudio Fontana), que logo derrubam o mandatário e iniciam um reinado de manipulação, demagogia e medo. Pessoas doentes, por exemplo, passam a ser identificadas com uma estrela negra – alusão evidente ao holocausto -, liberdades civis são suspensas, o toque de recolher é estabelecido. Apenas os jovens enamorados Diego (Pedro Inoue) e Vitória (Mariana Elisabetsky) afrontam a nova ordem e buscam ensejar uma revolta. Espécie de bufão e válvula de escape da região, o cínico e niilista Nada (Chico Carvalho) despeja doses de sarcasmo ao comentar a tragédia que se abateu sobre a população. Se não existe mais nada em que se possa acreditar, pontua, o negócio é apostar na destruição. Em trajetória tortuosa, Nada chega a aderir ao opressor. 

As metáforas e representações da obra de Camus casam bem com a linguagem barroca do diretor Gabriel Villela (também figurinista), que neste espetáculo deixou de lado o habitual colorido de seus trabalhos e optou por tons sombrios na composição dos vistosos figurinos. No palco há um desfile de personagens ostentando maquiagens grotescas, criadas por Claudinei Hidalgo, que se inspirou nas “pinturas negras” do pintor e gravador espanhol Goya. A iluminação fria de Domingos Quintiliano dialoga com a cenografia de J. C. Serroni, um espaço assombrado por uma estrutura de ramos negros contorcidos, espécie de nuvem sinistra que paira ameaçadora sobre o lugar. A direção musical, assinada por Babaya Morais e Marco França (também responsável pelos arranjos), combina uma variedade de cânticos, como músicas ciganas do bósnio Goran Bregovic e canções revolucionárias, caso do hino da Resistência Francesa.

O diretor reuniu elenco talentoso e extrai bom rendimento coletivo dos catorze atores em cena. Apoiados em desempenhos marcantes, Elias Andreato e Cláudio Fontana formam dupla congruente, destilando performances impregnadas de deboche e ironia. Dono de voz potente, Chico Carvalho imprime potência ao cético e pessimista Nada. Pedro Inoue se destaca na pele de um Diego carismático e vibrante. Ele compõe boa dupla com a intensa e sensível Mariana Elisabetsky. Cacá Toledo (Padre), Arthur Faustino (Governador), Rosana Stavis (mulher do Juiz) e Marco França (Juiz) oferecem desempenhos satisfatórios e seguros. Desenvoltos, Rogério Romera, Kauê Persona, Nathan Milléo Gualda, Zé Gui Bueno e Daniel Mazzarolo completam a trupe. 

Camus concebeu uma parábola do pesadelo recheado de diálogos emblemáticos, como os que envolvem Diego e a Peste. O dramaturgo revelou que se identificava especialmente com este texto, porque também cultivava o anseio de liberdade, o sentimento de ternura pelos oprimidos e a aversão a qualquer regime de força. Não por acaso gostava de reverenciar o universo do poeta, escritor e diretor francês Antonin Artaud, em sua obsessão mútua de ver a peste como uma poderosa metáfora teatral.

(Vinicio Angelici – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo 

 

Estado de Sítio

Texto: Albert Camus

Direção: Gabriel Villela

Elenco:  Elias Andreato, Cláudio Fontana, Chico Carvalho, Mariana Elisabetsky, Rosana Stavis e outros.

Estreou: 08/11/2018

Sesc Vila Mariana (Rua Pelotas, 141, Vila Mariana. Fone: 5080-3000). Quinta a sábado, 21h; domingo, 18h. Ingressos: R$ 40. Até 16 de dezembro.

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