EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Cinema: Deus da Carnificina

Roman Polanski é cineasta afeito a espaços exíguos. Um superficial exame em sua filmografia já aponta para esta predileção por ambientes restritivos, que não raro desempenham função dramática específica. O apartamento é fundamental em O Bebê de Rosemary, assim como a moradia da instável protagonista de Repulsa ao Sexo e a residência que serve de cenário basilar para O Escritor Fantasma. Seguindo a linha, neste seu mais recente longa quase toda ação transcorre num pequeno apartamento, cuja força delimitadora das ações e reações em eminente choque é significativa. É uma jaula repleta de portas e janelas não transpostas.

Como base dos créditos iniciais, há um plano revelador de certa celeuma ordinária entre garotos. Tal evento desencadeia a necessidade de uma conversa conciliatória entre os responsáveis pelos adolescentes. Michael e Penélope (John C. Reilly e Jodie Foster), pais do menino agredido, recebem em sua casa os progenitores do agressor, Alan e Nancy (Christoph Waltz e Kate Winslet). À medida que as gentilezas iniciais vão dando lugar a pequenas alfinetadas, a aparente calmaria se transforma em repetidos ataques, que inevitavelmente abrem fissuras numa relação até então bastante diplomática.

Em registro tragicômico, o verborrágico filme esfrega na cara do espectador constantemente “o que somos enquanto espécie”. E só não cede a quaisquer inclinações moralistas porque preenche a instabilidade com um humor sutil, amplificando alguns desdobramentos pela via do patético. O embate casal x casal, motivado inicialmente pela briga dos filhos, logo se vê menor ante expedientes mais, digamos, reveladores. Como a ética (ou a falta dela) de quem representa infratores, o pseudo-engajamento de alguns preocupados com a situação africana, a inércia de homens, que escondem temperamento explosivo sob a aparente calma, e mulheres que precisam de algumas doses para dizer o que pensam.

Aqui, são evidentes as habilidades do roteiro e da montagem, promotores de um fino equilíbrio no fluxo narrativo. Certamente um cineasta menos competente sucumbiria à tentação de dar mais relevo a esta ou aquela figura. Esta assertividade diretiva se observa igualmente na escolha nada aleatória de dois americanos (Reilly e Jodie Foster) para interpretar um casal atolado em sua própria mediocridade, e outros dois europeus para dar vida à dupla de bem sucedidos profissionalmente e carentes de humanismo. Além de genuíno filme de ator, rótulo possível graças ao desempenho brilhante dos quatro protagonistas, o longa também deve muito à direção coesa e incisiva de Polanski.

Ainda envolto em problemas judiciais por conta de um crime cometido no passado, pelo qual não pode mais pisar em solo americano, o cineasta polonês parece cada vez mais arguto em suas observações, ciente de que ao artista cabe refletir acerca da sociedade que o circunda conforme seu ideário motriz. Ele conhece como ninguém os que lhe apontam o dedo condenatório, guardadores de seus próprios pecados cotidianos a sete chaves. O apego aos objetos (celular, bolsa, livros de arte, charutos e bebidas) que os personagens exibem, por exemplo, evidencia aspectos definidores desta nossa sociedade ensimesmada, viciada em projetar nos artefatos seu sustentáculo. Entre vomitar nas tulipas da sala, largar um hamster à própria sorte, defender interesses escusos ou esconder-se numa falácia, não há o que exaltar ou condenar, não há partidos a tomar, pois a razão (ou a falta dela) habita todos.

(Marcelo Muller, do site Papo de Cinema)

(Foto Divulgação)

 

Deus da Carnificina

Título Original: Carnage (França/Alemanha/Polônia/Espanha, 2011)                        

Gênero: Drama, 80 min                                                                                                    

Direção: Roman Polanski                                                                                                 

Elenco: Jodie Foster, Kate Winslet, Christoph Waltz e John C. Reilly                          

Estreou: 08/06/2012

 

Veja trailer do filme:

 

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