EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Escravas do Amor (RJ)

É uma comédia, que logo de cara começa com a misteriosa morte de Ricardo no dia que oficializaria o casamento com Malu. Eles nunca se beijaram e o dado é importante porque na época em que a trama acontece, década de 1940, um beijo na boca significa selar compromisso sério e para sempre. Suicídio ou assassinato? Em revelação surpreendente, Lígia, a mãe da mocinha, conta já ter beijado o ex-futuro genro que, na verdade, seria apaixonado por ela. Para complicar as coisas, a amante de seu marido aparece repentinamente e decide morar na mesma casa. Não é uma família convencional, percebe-se. Pelo ambiente circulam ainda outros tipos, como um médico inconveniente, empregados intrometidos, um homem com a cara marcada, um professor hipnotizador, um rapaz oportunista. A trama é assumidamente folhetinesca, sustentada por ganchos previsíveis, truques baratos de suspense, soluções simplistas, atmosfera de melodrama, idas e vindas que viram o enredo pelo avesso, personagens estereotipados metidos em intrigas, insinuações e paixões.

Com adaptação e direção de João Fonseca, e levada aos palcos pela arrojada Companhia Fodidos Privilegiados, a montagem é uma agradável e envolvente transposição de novela escrita em 1944 por Nelson Rodrigues, sob o pseudônimo de Suzana Flag – autor de prestígio naquele tempo, ele optava por assinar literatura popular com outro nome. Despretensiosa e espontânea, a história contém um irresistível apelo cômico e evoca algumas das mais conhecidas obsessões do dramaturgo, como o adultério, os falsos pudores, a luxúria, culpas e sacrifícios. Na encenação, a rapidez e inteligência dos diálogos, a fala coloquial, as frases de efeito, o humor e a ironia não só foram preservados como ganharam um colorido especial. O espectador é saudado com uma trama mirabolante na qual a verdade deve ser vista sempre com um pé atrás. Por exemplo: as fotos de Malu, que teria participado de orgias nos Estados Unidos, são confiáveis ou forjadas para servirem de instrumento de chantagem?

O espetáculo evolui de forma desembaraçada, com marcações coreografadas, mudanças ágeis de cenas, unidade interpretativa. Fonseca constrói e desconstrói a intrincada narrativa seguindo o espírito original de crônica. Uma das virtudes da montagem, que propicia uma copiosa sucessão de efeitos surpreendentes, é o recurso aparentemente simples dos atores exercerem também o papel de narradores. Eles relatam ao público as ações, emoções e pensamentos dos personagens. Em uma sequência preciosa, o noivo, já morto, informa que havia morrido e se deixa desabar, para júbilo da platéia. Tudo em cena funciona. Os figurinos de Nello Marrese são adequados à data da ação, com trajes de banho pudicos, cinta, combinação, sapatos cafonas. Pontual e nunca afetada, a trilha sonora de Fonseca e Rafaela Amado não fica refém da linguagem musical da época.  Apenas treze cadeiras no palco, movimentadas pelos atores, são suficientes para ambientar da casa da noiva ao cemitério e matagal.  

Versátil, o elenco exibe desenvoltura corporal e fluência verbal, suficientes para garantir o ritmo e o bom andamento da montagem. O registro teatral de interpretação, por sinal, deixa-se contaminar por um tom levemente caricato. Embora a força e a coesão do conjunto predominem, algumas performances individuais ganham realce, casos de Gustavo Ottoni (pai), Rose Abdallah (mãe), Cristina Mayrink (amante) e Juliana Baroni (Malu). O texto do dramaturgo é o retrato chocante do comportamento de uma certa classe média, que se vale de máscaras para dissimular seus moralismos e hipocrisias. Nelson Rodrigues revolve o ideário feminino que apregoa a sujeição ao homem amado, mesmo que este não o mereça. Na peça, as personagens femininas caminham no fio entre a sedução e a deslealdade. Os homens, por sua vez, comportam-se com egoísmo e escorregam na presunção.  

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Renata Blasi)

 

Avaliação: Ótimo

 

Escravas do Amor

Texto: Suzana Flag (pseudônimo de Nelson Rodrigues)

Adaptação e Direção: João Fonseca

Elenco: Alexandre Contini, Cristina Mayrink, Dudu Sandroni, Juliana Barone e outros.

Estreou: 14/03/2013

Teatro dos Quatro (Shopping da Gávea. Rua Marquês de São Vicente, 52, Gávea. Fone: 21. 2274-9895). Terça e quarta, 21h. Ingresso: R$ 60. Até 28 de agosto.

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