EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Espectros

Dona de um espírito liberal e intelectualmente preparada, a protagonista feminina desta peça revela-se incapaz de produzir um conhecimento prático a partir de suas teorias e é covarde o suficiente para não agir de acordo com as suas convicções. Suas ações são guiadas pela pressão da opinião pública e pelo receio do escândalo. Tanto que o orfanato, construído com a fortuna do marido falecido, é uma espécie de cala boca na comunidade e uma forma disfarçada de apaziguar a sua consciência pesada. O que ela não ousa admitir é que o estabelecimento para abrigar e educar crianças órfãs tem alicerces podres e cairá devorado pelas chamas. A impiedosa maneira como o dramaturgo irlandês Henrik Ibsen retrata a decadência da burguesia européia do século 19 é tingida com tons fortes nesta montagem dirigida por Francisco Medeiros. O espetáculo não chega a ser um soco no estômago e contagiar a platéia. Por instantes, parece apoiar-se numa linguagem cênica conservadora, com hálito passadista. Nada disso empana a dramaturgia. Em situação limite, a um passo do abismo e assolados por angústias e feridas não cicatrizadas, os personagens estão decididos a mudar sua situação, porém, não sabem como escapulir da areia movediça em que se encontram. O autor quis demonstrar como uma série de convenções insensatamente perpetuadas pode resultar no réquiem não só de uma família convencional, mas, por extensão, de todo o mundo moderno. Escrito em 1881, o texto foi revisitado em 2002 pelo cineasta sueco Ingmar Bergman, afeito a mergulhar fundo na alma humana e dela extrair seus demônios, traumas e obsessões. Nesta revisão, ele adicionou ingredientes simbolistas da obra do conterrâneo August Strindberg, iluminando as ambivalências de comportamento e a necessidade que a galeria de tipos criada por aquele dramaturgo tem de expiar suas culpas. Se Ibsen desmascara o homem pelos seus erros, preconceitos e hipocrisias, Bergman dá ênfase à figura da mulher e aos medos, decepções, quedas e humilhações que atormentam os personagens da peça.  

A trama tem início pouco antes da corporificação da tragédia anunciada e se desenvolve como uma narrativa policial, com provas do passado – lamentações, verdades insepultas, fantasmas - que são exumados até culminar em uma terrível descoberta. No caso, a de que herdamos, além dos vícios e virtudes familiares, um baú de idéias mortas e velhas crenças. A personagem central Helena (Clara Carvalho, em trânsito entre a inteligência e emoção) circula em um universo permeado por eventos opressivos, amores escondidos, incestos e falsas aparências. Robustas vigas móveis que demarcam ambientes e uma iluminação soturna acentuam a atmosfera fantasmagórica. Há uma sequência em que Helena conversa com o ambíguo pastor Manders (Nelson Baskerville, em desempenho correto) enquanto o seu filho Oswald (Flávio Barollo, convincente em sua autodestruição) se desloca ao fundo como um espectro - na encenação, aliás, as sombras dos personagens parecem pipocar a todo momento. O garoto retornara ao lar para participar das cerimônias de inauguração do orfanato, gerenciado pelo pastor. A empregada Regine (Patrícia Castilho, que confere peso ao papel) deixa claro suas intenções de melhorar de vida e pretende casar com o herdeiro da casa – seu pai alcoólatra (Plínio Soares, exercitando gestual enrijecido) é um carpinteiro cheio de interesses. Como em O Pelicano, de Strindberg, os equívocos familiares desabam sobre a figura da mãe. Resignada, Helena aceitou as aventuras sexuais do marido, um sujeito que, sob a aparência de grande honradez, escondia uma vida de vícios e traições. Ao passar por cima das licenciosidades dele, ela acabou por acender o rastilho da pólvora da destruição. Em cena estão espectros que, sem conseguir redimir o passado, perpetuam a herança maldita. Oswald, por exemplo, é uma espécie de continuação do pai, carregando o legado da família em seu corpo doente. Perplexos, todos percebem que o inimigo está dentro de cada um. Aí reside a desgraça. O espetáculo acompanha a passos lentos a dissolução moral destes personagens, condenados a revolver princípios ultrapassados de comportamento. Para Ibsen, o desmoronamento se dá por causa da estupidez e desumanidade de sucessivas gerações.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )                                                             

(Foto: Ronaldo Gutierrez)

 

Avaliação: Bom

 

Espectros

Autor: Henrik Ibsen, com adaptação de Ingmar Bergman                                                 

Direção: Francisco Medeiros                                                                                              

Elenco: Clara Carvalho, Nelson Baskerville, Plínio Soares e outros                                    

Estreou: 14/05/2011                                                                                                                                 

Viga Espaço Cênico (Rua Capote Valente, 1323, Vila Madalena. Fone: 3801-1843). Sexta e sábado, 21h; domingo, 19h. Ingresso: R$ 20. Até 25 de setembro.

 

Veja cenas do espetáculo:

 

 

 

 

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