EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Crônica da Casa Assassinada

Logo na abertura, a mãe está transando com o suposto filho, numa assumida e apaixonante relação incestuosa. Outras cenas fortes acontecerão ao longo desta montagem, povoada por personagens movidos por impulsos de inveja, perversão, amores proibidos e ambição. Eles integram a aristocrática e tradicional família Meneses que, no final dos anos 1950, em uma casa de fazenda no interior de Minas Gerais, entregam-se ao exercício da desintegração financeira e moral, especialmente depois da chegada de Nina, agora casada com Valdo Meneses. Com passado suspeito e gostos extravagantes, ela irá semear a discórdia e despertar sentimentos ambíguos naquele núcleo familiar que parece mais habitar um cemitério ou prisão. Escrita em 1959 e publicada em 1973, esta obra-prima do escritor mineiro Lúcio Cardoso acompanha sem piedade a ruína e a miséria existencial dessa figuras trágicas. Dirigida por Gabriel Villela, a montagem preserva o clima de angústia, o ambiente mórbido e a atmosfera de pesadelo psicológico do romance. A transposição para o palco, aliás, foi um desafio enfrentado com habilidade pelo jornalista e dramaturgo Dib Carneiro Neto, que precisou lidar com uma trama não linear e avessa ao figurino tradicional de se contar uma história, estruturada a partir de trechos de cartas, anotações em diários, confissões e flashbacks. Uma das saídas encontradas foi distribuir os personagens em dois núcleos: o interno, centrado naqueles que vivem no casarão, e o externo, simbolizado por um coro de três narradores (padre, médico e farmacêutico) que comentam e julgam os eventos relacionados à família. Com o desenho de um quebra-cabeças, com pequenas unidades de ação, que demora um pouco a ser compreendido pelo público que desconhece o romance, o enredo descortina o universo desagregado e falsamente puritano dos Meneses, às voltas com infidelidades conjugais, mentiras, traições, maldades e amores mal resolvidos.    

Com visual barroco e belas imagens, algo indissociável em seus trabalhos, a encenação de Villela segue uma rígida partitura teatral e consegue estabelecer sintonia com a difícil obra de Cardoso.  De maneira natural, o diretor passeia pela religiosidade opressora, entrelaçando sagrado e profano, como na cena em que um cristo sensual, pregado à cruz, gira ao fundo do palco.  Em que pese a força e coesão do numeroso elenco reunido, algumas atuações se destacam.  É o caso de Xuxa Lopes, que valoriza as nuances e características  da sedutora e passional Nina, uma personagem que se constrói pela fala dos demais. Ela sofre de câncer, da mesma forma que simbolicamente a casa está doente. Pedro Henrique Moutinho empresta energia a André, o filho tomado por incestuoso e crivado de dilemas, atraído pela sensualidade e não maternidade de Nina.  Na pele do homossexual lúcido Timóteo, cuja verborragia faz trepidar os alicerces da família e, por conta disso, deve permanecer escondido, Sérgio Rufino passa ao largo da caricatura e dos trejeitos, tonificando uma figura que parece funcionar como alter ego do autor. Para desmascarar a hipocrisia da casa, ele aparece travestido de mulher. A atriz Letícia Teixeira confere força e autoridade à Ana, a cunhada invejosa que oscila entre o amor e o ódio, o remorso e a indiferença, acuada pela má consciência. A cenografia de Márcio Vinicius é deslumbrante - um portal de igreja barroca mineira e uma enorme mesa de jantar que serve ainda como cama e altar. A iluminação, assinada por Domingos Quintiliano, sublinha os quadros emocionais. Criativos, os figurinos de Gabriel Villela podem transformar um lençol em mortalha na mesma cena. Ele também é autor da impactante e eclética trilha sonora. Mesmo com limitações próprias de uma adaptação que condensa em uma hora um romance de centenas de páginas, com prejuízos em sua densidade, o espetáculo provoca choque e anula a indiferença.

(Vinicio Angelici – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )                                                                             

(Foto João Caldas)

 

Avaliação: Bom

 

Crônica da Casa Assassinada

Texto: Lúcio Cardoso                                                                                                                  

Direção: Gabriel Villela                                                                                                               

Elenco: Xuxa Lopes, Letícia Teixeira, Sérgio Ruffino e outros                                                                                                                                   

Estreou: 16/09/2011                                                                                                                                       

Sesc Vila Mariana ( Rua Pelotas, 141,Vila Mariana.. Fone: 5080-3000). Sexta e sábado, 21h; domingo, 18h. Ingresso: R$ 6 a R$ 24. Até 16 de outubro.

 

                                                                                                                    

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