EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: O Campo de Batalha

Para os paulistanos, atualmente prejudicados pelo racionamento de água, o pano de fundo da peça é familiar. Afinal, o texto do dramaturgo baiano Aldri Anunciação projeta uma fictícia Terceira Guerra Mundial motivada justamente pela escassez do líquido precioso e sua feérica disputa pelas potências militares. Tanto que a batalha entre dois soldados de corporações inimigas, epicentro da trama, acontece sobre o leito seco de um curso fluvial.

O enredo, no entanto, não trata especificamente da crise hídrica. O que está na vitrine neste espetáculo sombrio são os efeitos perversos que a intolerância e ausência de generosidade produzem nos seres humanos, aqui representados pelos militantes situados em pólos antagônicos que defendem uma causa que deveria unir e não separar. O autor já havia encenado a elogiada Namíbia, Não!, sua primeira obra, que abordava as relações humanas levadas ao extremo. Nesta, ele conta ter se inspirado no ambiente minado a que se converteram as redes sociais. Nesse sentido, o campo de batalha do título adquire um sentido além do universo dos conflitos convencionais e demarca um novo tipo de comportamento, aquele em que fulano quer eliminar sicrano por conta de suas posições divergentes.   

Na peça, o estopim do embate entre os homens armados se dá no momento em que a contenda é suspensa porque a munição não pode ser distribuída – numa fina ironia do autor, a incompetência das redes de comando provocou a interrupção. A partir dessa inusitada circunstância, ambos se encontram cara a cara no front de luta e obrigados a administrar a tensão e as diferenças. Enquanto aguardam novas instruções, eles partem para um duelo verbal, numa peleja pensada para não ter vencedores. Nesse processo de humanização, que amortece divisões geográficas, questões étnicas e ideologias, irão perceber que fazem parte de um jogo insano com regras que desconhecem.          

Embora verborrágico, uma ameaça a quem se habituou às mensagens sucintas e sem rodeios, o texto exibe diálogos espertos e boas observações sobre o estado de beligerância do mundo atual. Poderia ser mais cortante e evitar a pulverização das ideias se neutralizasse o caráter didático de algumas passagens, como quando um dos personagens deita falação sobre as razões humanas, econômicas e sociais da conflagração. 

A direção tripartite de Márcio Meirelles, Lázaro Ramos e Fernando Philbert não tenta surpreender o público com marcações desnecessárias ou cenas sobrecarregadas. A dinâmica estabelecida contorna redundâncias e excessos e transmite sem atropelos o ponto de vista do autor. Na pele dos militares envolvidos na barbárie, Aldri Anunciação e Rodrigo dos Santos transmitem franqueza e autenticidade. Longe de ser arrebatador, o desempenho cumpre a função de envolver o público em uma história dramática, escapando ao menos de uma possível caricatura em preto e branco do confronto.

A montagem dispõe de trunfos técnicos que auxiliam na criação da atmosfera de pressão que cerca os personagens. Tato Taborda assina a sonoplastia e as videografias, de Rafael Galo, funcionam quase como um terceiro personagem - no fundo do palco são projetadas imagens bélicas, bombas atômicas e mensagens do computador. Fernanda Torres é dona da voz gravada que emite ordens e avisos, espécie de burocrata a serviço de uma organização sem fins pacíficos. Nello Marrese, que assina figurinos, criou cenografia de impacto – uma enorme gangorra metálica, que reproduz os movimentos alternantes de equilíbrio e desequilíbrio de poder entre os dois personagens.        

O fato de não aprofundar alguns tópicos que evoca, não tira o mérito do texto de oferecer reflexão pertinente sobre a maneira como o mundo parece caminhar hoje. Há um cheiro de pólvora no ar. É sintomático que a peça, mais do que abordar a guerra, discute a loucura do homem.    

(Vinicio Angelici – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto: Márcio Meirelles)

 

Avaliação: Bom

 

O Campo de Batalha

Texto: Aldri Anunciação

Direção: Márcio Meirelles, Lázaro Ramos e Fernando Philbert

Elenco: Aldri Anunciação e Rodrigo Santos

Estreou: 30/01/2015

Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Álvares Penteado, 112, Centro. Fone: 3113-3651). Segunda e sábado, 20h; domingo, 19h. Até 6 de abril. Ingresso: R$ 10.

 

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