EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Cinema: Vocês Ainda Não Viram Nada

Neste filme inteligente e elegante, o nonagenário diretor francês Alain Resnais (O Ano Passado em Marienbad / Medos Privados em Lugares Públicos) embaralha as linguagens do cinema e do teatro e faz uma delicada homenagem às duas. Por meio de narrativa ousada e inventiva, ele desengaveta uma história que começa com uma cena antológica, emoldurada por closes expressivos: um a um, atores de diferentes gerações recebem telefonemas que os informam da morte de um conhecido dramaturgo. Como último desejo, ele quer que todos eles se reúnam em sua mansão, nos Alpes, durante a leitura do seu testamento. Ao chegarem à propriedade, um mordomo, na função de mestre-de-cerimônias, os encaminha até a um espaço com sofás e poltronas dispostos como numa sala de cinema. A razão para o misterioso encontro, enfim, é revelada quando são comunicados de que estão ali para avaliarem a montagem da peça Eurídice. Trata-se de uma releitura do mito grego de Orfeu e Eurídice, escrita pelo autor falecido, que uma jovem companhia teatral da região pretende encenar. Os artistas, que assistirão ao vídeo do espetáculo, irão opinar sobre o trabalho e decidir se devem ou não chancelá-lo.

O que há de comum entre os membros dessa turma é o fato de que todos, em circunstâncias e idades distintas, atuaram em montagens desse mesmo texto assinadas pelo tal dramaturgo. Ou seja, representaram os mesmos papéis que agora estão avaliando. Na mitologia grega, Orfeu desce ao inferno para resgatar a amada Eurídice sob a condição de, ao libertá-la, não olhar para trás. Na versão da novata trupe, que atua em um galpão vazio, a história transcorre na França contemporânea, os personagens centrais se conhecem em uma estação de trem, se enredam em jogos de dissimulação e são assediados por um emissário da morte.

O filme deslancha a partir do instante em que, por instinto ou espécie de transe, os atores reunidos começam a interagir naturalmente com a projeção. Vivenciam os personagens, em pares ou solos, reiteram diálogos, pelejam o mesmo enredo e chegam a abandonar a sala para explorarem outros ambientes da mansão, que se transformam magicamente em estação ferroviária, um café, um quarto de hotel. As duplas Sabine Azema e Pierre Arditi, Anne Consigny e Lambert Wilson, intérpretes do casal Eurídice e Orfeu, aparecem em sequências alternadas. Michel Piccoli é o pai de Orfeu e Mathieu Almaric desempenha o enigmático Henry. Como cada um deles tem uma maneira especial de interpretar e um repertório emocional particular, os personagens ganham vida em variados registros, matizes e estilos, o que concede à conhecida trama significados múltiplos e ângulos novos. Há um momento em que atores do lado de lá e de cá se confundem e parecem encenar um único espetáculo, em curiosa simbiose.  

O contato epidérmico entre cinema e teatro, a hábil sincronia dos cortes, as telas divididas, a conexão entre o mito original e a realidade atual, o tom melancólico da canção entoada por Frank Sinatra durante os créditos finais e a austera encenação do grupo jovem são atrativos suficientes para tocar emocionalmente a platéia. A cereja do bolo, no entanto, é o elenco de atores consagrados e carismáticos, quase sempre estrelas em variadas produções francesas. Eles são dotados de ímpeto juvenil, técnica depurada e charme transbordante. Com este longa, Resnais tece uma inspirada reflexão sobre passado e presente, amor que se perde e se reencontra, ficção e realidade. Subsiste uma profundidade nas entrelinhas que a leveza do longa, talvez, disfarce. É invulgar o jeito como o diretor integra o teatro filmado ao cinema. Ele é tão bem sucedido na empreitada que o espectador acompanha tudo com interesse contínuo. Com título de alguma forma irônico, afinal o diretor tem noventa anos e segue cheio de projetos, o filme opera uma poética celebração da palavra, do amor e da vida.      

(Edgar Olimpio de Souza)

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

Vocês ainda não viram nada

Título Original: Vous n'avez encore rien vu (França, 2012)

Gênero: Comédia Dramática, 115 min

Direção: Alain Resnais

Elenco: Sabine Azéma, Michel Piccoli, Mathieu Amalric e outros.

Estreou: 12/03/2012

 

Veja trailer do filme:

 

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