EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

  • Font size:
  • Decrease
  • Reset
  • Increase

Teatro: Translunar Paradise

Um homem idoso se refugia em um mundo de fantasias e recordações para lidar com a solidão. Tão simples quanto universal, a peça é a história de sentimentos complexos como o amor, a perda, o luto e a memória. A surpreendente montagem da companhia inglesa Theatre Ad Infinitum pode não ter sido audaciosa na construção da história, mas a maneira como ela desenvolve o enredo é absolutamente poética. Não há o emprego de uma única palavra no espetáculo. Os episódios relacionados à trajetória de um casal, junto desde a juventude até a despedida final, são desfiados por meio do uso de máscaras, do recurso da mímica, da música ao vivo e da linguagem corporal. Imerso em sentimentos, sensações e movimentos, cabe ao público observar um gesto, um sorriso, um meneio de cabeça e as nuances do não-verbal para preencher o silêncio e ser capaz de ver o que está transcorrendo em cena. 

O texto, cujo título é extraído do poema A Torre, do poeta, dramaturgo e místico irlandês William Butler Yeats, acompanha a vida de um homem velho (George Mann) arrasado pela morte da esposa (Deborah Pugh). Ao vasculhar mala cheia de artigos pessoais, como um maço de cartas, e fuçar uma gaveta e pegar um colar, ele mergulha em lembranças e reminiscências que alicerçaram sua trajetória ao lado da mulher. Como o início do namoro, o casamento, o sexo, um trágico aborto, separações temporárias, a partida para a guerra – na estação ferroviária, durante o embarque do jovem Mann, a despedida é calorosa, ele chega a curvar-se na janela do trem para trocar um último afeto.Ou seja, ambos vivem alegrias e tristezas a que todos estão submetidos no dia a dia. Se não existe nada de especial nesse emaranhado de eventos, a viagem de volta ao passado transborda delicadeza e emoção, especialmente por sabermos com antecedência como será o desfecho.

Com técnica depurada na escola de teatro físico Lecoq, e perfeita química no palco, os dois artistas manejam máscaras de mão (criação de Victoria Beaton) bastante expressivas para retratar o casal mais velho – é impressionante como tais artefatos estáticos assumem existência própria. A capacidade de Mann de traduzir uma angústia, uma dor, valendo-se apenas de uma máscara, manipulada por uma das mãos e só a outra livre para gesticular, é notável. Às vezes, a vida inteira dos personagens se vislumbra ao justapor o rosto jovem à velha máscara. Nas cenas de flashbacks, época em que eram moços, elas são removidas. São transições entre o passado e o presente que se sucedem com exímia naturalidade, potencializada pela destreza física dos atores na representação da mudança. O contraste entre a energia e excitação da juventude e a lentidão e languidez do momento atual atravessa a encenação.    

A trupe desembrulha um espetáculo impregnado de detalhes, com mínimos adereços, que instaura um equilíbrio orgânico entre a trama delicada e a precisão dos recursos de linguagem. Empilham-se momentos pungentes. O espectador acompanha o casal sair para o hospital e a esposa se esvaindo do leito enquanto o marido ampara a máscara dela. A fluidez com que eles dançam em volta um do outro também comove. Os objetos são operados com ternura e carinho, como uma xícara, pivô de disputa entre as instâncias real e espiritual, um colar que flutua e a mala disputada por ela jovem e por ele velho.  

O efeito desse conjunto de cenas é extraordinário porque captura e dilata as emoções em jogo. Por exemplo: por força do hábito, toda manhã o homem viúvo prepara o chá para os dois, certamente a recordação mais evocativa da ausência da mulher. Ela parece regressar do mundo dos mortos para, como um fantasma, assombrar positivamente as memórias de quem ficou. Num último gesto de amor, a mulher tenta ajudá-lo a se livrar do luto e seguir adiante. Ambos oferecem expressivas performances, coalhando suas ações de sutilezas, calor e enternecimento - a partitura gestual, por vezes, remete ao movimento estilizado dos personagens das comédias do cinema mudo. A suposta limitação de se trabalhar com máscaras, que poderia provocar um distanciamento incômodo, aqui não acontece. Tudo é tão bem articulado por Deborah e Mann, também diretor, que a platéia é arrebatada aos poucos. A montagem tem o mérito de evitar um registro excessivamente sentimental ou a banalização do assunto.  

Executada em acordeão pela atriz e instrumentista Heron Kim, a trilha sonora é praticamente ininterrupta. Embora ela nunca faça parte da ação, seu papel está longe de representar um mero apêndice à narrativa. Sua função instila profundidade e é essencial para temperar o humor e o tom emocional das cenas. É hábil a combinação das notas musicais e as imagens no palco. Heron dedilha as teclas e os botões para ativar efeitos sonoros, simular o tique-taque de um relógio, emular o ritmo de um trem, fornecer o som da respiração no hospital. Ela também cantarola e assovia trechos de músicas, como a conhecida Garota de Ipanema, que ilustram a viagem do casal pela vida. Ao mesmo tempo, joga e manipula objetos, até mesmo para ajudar o casal com suas máscaras. Ações harmonicamente integradas à montagem, que encanta pela sua enganosa simplicidade, elenco sublime e vigor imagético. A história de um homem devastado pela perda de um ente querido é reconhecível por qualquer um. Todos já encararam ou irão ainda enfrentar o monstro. Ao falar da morte, o espetáculo celebra uma comovente afirmação da vida e do amor.   

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

Translunar Paradise

Texto e Direção: George Mann

Elenco: George Mann, Deborah Pugh e Heron Kim.

Estreou: 15/03/2012

Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Álvaes Penteado, 112, Centro. Fone: 3113-3651). Quarta a sexta, 20h; sábado, 17h30 e 20h; domingo, 16h30 e 19h. Ingresso: R$ 6. Até 7 de abril.

 

Veja cenas do espetáculo:

 

_

Comente este artigo!

Modo de visualização:

Style Sitting

Fonts

Layouts

Direction

Template Widths

px  %

px  %