EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: O Terraço

Durante o café da manhã, nos primeiros minutos da peça, Etienne é surpreendido sem mais nem menos por Madeleine com a notícia de que ela está prestes a deixar o lar. Por conta da decisão já tomada, aguarda apenas a chegada de alguém que virá buscá-la em seu Alfa Romeo vermelho. O marido avisa que, sozinho, não terá condições de pagar o imóvel por estar desempregado. A mulher rebate que já contatou uma imobiliária para captar possíveis interessados. A sisudez dele e a atitude fria dela não dão a vaga idéia de que dali a pouco a história, que avizinhava ser um drama pesado, irá percorrer outro registro, o do humor com nuances de absurdo. Ou seja, a partir da informação de que o espaço está disponível para o aluguel, o espectador será testemunha da intrusão de potenciais locatários tão desagradáveis quanto inconvenientes. Toda a ação acontece dentro desse apartamento em Paris, cuja maior atração é um terraço ensolarado que, veremos, exerce o condão de atiçar fantasmas interiores de quem o explora.

O curioso texto do escritor, dramaturgo e roteirista francês Jean-Claude Carrière (O Discreto Charme da Burguesia / A Bela da Tarde), inédito no Brasil, não chega a ser uma navalha afiada sobre o comportamento humano, mas deixa entrever um tipo de sociedade que parece ter perdido noções elementares de discernimento. Há poucas notas dissonantes na montagem assinada por Alexandre Reinecke, um diretor que tem emendado vários trabalhos bem-sucedidos nos últimos anos. Ele deixa os eventos fluírem com naturalidade no palco e fomenta as oportunidades cômicas da peça de maneira que nunca a comédia física sobressaia – um dos personagens, por exemplo, é um tipo tão dado a excessos que facilmente poderia se perder na overdose gestual, o que não chega a acontecer.

Na pele da mulher que decide jogar o casamento para o alto, Vera Zimmermann empresta expressões gélidas, sem enriquecedoras matizes, a uma personagem que tenta mascarar indícios de incerteza e insegurança. Marco Antônio Pâmio desenha com eficiência a fachada travada, entremeando o semblante de indiferença com comentários sarcásticos e a falsa sofisticação francesa - é cômico como, sem sequer levantar a sobrancelha, ele atende pedidos de um possível locatário para que sirva alguma coisa para beber e comer e dê acesso ao telefone. Vivida com humor desabrido por Ilana Kaplan, a carente corretora exibe a preocupação de arrumar um inquilino e um amor na mesma medida. Bem à vontade no papel, Marat Descartes encarna um dos interessados no lugar, Astruc, sujeito bastante espaçoso e folgado, que chega a tirar um cochilo mesmo envolvido em uma reunião de negócios. Seu amigo, o ansioso e desesperado Maurice, emerge na composição de Henrique Stroeter como um cara de temperamento absurdamente passional, que se oferece para alugar o imóvel e rapidamente se diz apaixonado por Madeleine. Há ainda uma mulher com tiques de desequilibrada (Flávia Teixeira) e seu marido, um general cego (Hugo Coelho) cujo esforço maior é não tropeçar e cair no imóvel.

Vistos como um todo, são personagens que, se não perderam o controle, parecem ter perdido o rumo de suas vidas. De alguma forma, o terraço do título é um espaço que mobiliza e fascina as figuras vulneráveis que circulam pelo apartamento. Tipos que podem, num gesto extremado e num esforço sem maiores explicações, cometer gestos radicais a partir do terraço, como dar um salto, voluntário ou não, para o nada e, mesmo assim, descobrir depois que o ato foi em vão.      

O espetáculo evolui aos poucos como uma farsa, com todo o direito de parecer artificial ou exagerado, cheio de situações inconseqüentes e imprevisíveis. Vagamente ecoa intenções existencialistas. Em meio ao vento que uiva, eles expressam valores de um mundo desconexo e volátil. São pessoas que se relacionam de forma estranha em um território neutro – apenas o casal vive um drama real, enquanto os demais funcionam mais como retratos simbólicos. Passivos, Etienne e Madeleine tentam discutir pontos da relação num ambiente saturado de gente, tornado um caos, e suas conversas avançam (!?) em intervalos, como uma história em quadrinhos. A montagem acena com algumas piadas visuais, o diálogo é consistente e os figurinos, bastante coloridos, buscam denotar a personalidade de cada um. Com suas reflexões diagonais, a peça é uma alegoria sobre a desintegração social e a dissecação, em capítulos, de um romance fracassado. Os personagens estão ali inevitavelmente para estabelecer relações. Mas, de que tipo? O autor prefere não escancarar as respostas.  

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto: Erik Almeida)

 

Avaliação: Bom

 

O Terraço

Texto: Jean Claude Carrière

Direção: Alexandre Reinecke

Elenco: Vera Zimmermann, Marco Antonio Pâmio, Marat Descartes e outros

Estreou: 18/01/2013

Teatro Nair Belo (Rua Frei Caneca, 569, Shopping Frei Caneca. Fone: 3472-2414). Sexta, 21h30; sábado, 21h; domingo, 19h. Ingresso: R$ 40 a R$ 60. Até 31 de março.

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