EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Boca de Ouro

Um bicheiro marginal, criminoso e prepotente, mas absurdamente carismático, que após a sua morte se torna um mito no bairro carioca de Madureira. Típico símbolo da contravenção, que tanto pode matar quanto distribuir dinheiro, ele nasceu na pia de um banheiro de gafieira, abandonado pela mãe, uma dançarina de cabaré, a quem nunca conheceu. Disposto a edulcorar sua biografia humilde, e como forma de expressar sua revolta, esse ambivalente herói suburbano troca todos os dentes por uma dentadura de ouro, como símbolo de poder. Pelos mesmos motivos, ele também cultiva o sonho de ser enterrado num caixão de ouro. Boca de Ouro é um dos personagens mais emblemáticos na obra de Nelson Rodrigues, cujo centenário de nascimento tem propiciado uma série de montagens em torno de suas peças. Em São Paulo, estão em cartaz no mesmo teatro dois espetáculos dirigidos por Marco Antonio Braz, com elencos fixos e apenas mudança dos protagonistas – A Falecida, com Lucélia Santos (agora no lugar de Maria Luiza Mendonça) e Marco Ricca, em Boca de Ouro. O ator dá vida a essa figura de movimentos sinuosos, capaz tanto de cometer assassinatos como praticar ações beneméritas. Seu desempenho é notável e cheio de eletricidade, mesmo refém de uma encenação que optou por uma atmosfera clean e menos gingada, em detrimento de um ambiente mais sórdido e agressivo.

O texto abre-se apenas para uma cena no plano da realidade, aquela em que o personagem central se senta na cadeira do dentista e o obriga, mediante o desembolso de uma fortuna, a implantar a prótese dentária de ouro, na expectativa de se transfigurar em rei. As demais sequências resultam das projeções exteriores de Dona Guigui (Lara Córdula, em desempenho movido a garra e nuances), a ex-amante do bicheiro, assediada pelo repórter Caveirinha em busca de material para uma reportagem. Por sinal, durante a peça é quase impossível separar o que é verdade e mentira nos relatos de Guigui. Ela manipulará interpretações contraditórias sobre a mesma história do assassinato cometido pelo anti-herói, distorcidas segundo o seu humor e estado emocional do momento, que acabam produzindo três personalidades diferentes do bicheiro. O mote é o envolvimento do protagonista com o casal Leleco (Willians Mezzacapa, verossímel na pele de um bandido viciado e inescrupuloso) e Celeste (Lívia Ziotti, em performance flexível e insinuante). Em uma das versões, o marido é um desempregado covarde, a mulher, uma dona de casa recatada, e o contraventor, um sujeito cruel e insensível. Em outra, Leleco é traído, Celeste tem um amante e Boca revida um golpe do marido. Na terceira, o casal é morto pelo protagonista, agora envolvido com uma ex-colega de colégio de Celeste. Outros personagens importantes encorpam o enredo, como a grã-fina encarnada por Jackie Obrigon e o Agenor corporificado por Claudinei Brandão, ambos em atuações seguras.

Na direção, Braz preserva o diálogo direto e coloquial do autor. Ele busca estilhaçar uma possível linearidade dos eventos por meio do recurso da presença simbólica, num canto do palco, da própria figura de Nelson Rodrigues. Teclando uma antiga máquina de escrever, ele não só narra com voz poderosa as rubricas da peça, como trechos originais são projetados ao fundo. É uma linguagem que enfatiza o tom dramático de alguns momentos, servindo também para suavizar a teatralidade e instaurar um saudável estranhamento, os dois procedimentos auxiliando na tarefa de estabelecer fácil comunicação com o público – em A Falecida ele obtém o mesmo resultado. O cenário e adereços de J.C. Serroni são simples e funcionais. Adequados, os figurinos de Telumi Helen colorem o ambiente. A iluminação perfeita de Wagner Freire e a ótima direção musical de Túnica contribuem decisivamente para enriquecer a montagem, que finaliza com uma ousadia cênica: Boca de Ouro transformado em enredo de escola de samba.

(Vinício Angelici – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto João Caldas)

 

Avaliação: Bom

 

Boca de Ouro

Autor: Nelson Rodrigues                                                                                                       

Direção: Marco Antonio Braz                                                                                              

Elenco: Marco Ricca, Lívia Ziotti, Willians Mezzacapa, Jackie Obrigon e outros.                

Sesi (Avenida Paulista, 1313, Cerqueira César. Fone: 3146-7405). Quinta a sábado, 20h30; domingo, 20h. Ingressos: grátis e R$ 10 (dependendo dos dias).                        

Estreou: 29/06/2012  

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