EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Nine, um Musical Felliniano (RJ)

Guido é um diretor de cinema italiano que não consegue produzir um novo filme e sua vida pessoal está em frangalhos. Ele patina num impasse emocional e profissional, incapaz de arregimentar energia criativa para o trabalho. O tema serviu de mote para o aclamado 8 ½, do cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993), que alavancou em 1964 o Oscar de melhor produção estrangeira. O sucesso foi tamanho que a história semi-biográfica suscitou o musical Nine (Nove), que faturou o Tony em 1982 na Broadway e teve Antonio Banderas como estrela em uma remontagem em 2003. O título representa o número de obras feitas por Fellini até o estouro de seu famoso longa-metragem. 

Charles Moeller (direção) e Cláudio Botelho (versão e supervisão musical) são responsáveis pela adaptação brasileira da obra, com texto assinado por Arthur Kopit e músicas compostas por Maury Yeston. De olho na fonte inspiradora, a dupla chegou a acrescentar o subtítulo que referencia o mítico diretor de cinema. O resultado é um espetáculo envolvente, com boas interpretações e preenchido por canções de variados estilos, perfeitamente integradas ao enredo e que funcionam como extensão dos diálogos. Moeller adicionou ainda ao enredo duas músicas, Cinema Italiano e Take it all, concebidas originalmente para a versão cinematográfica do musical, dirigida por Rob Marshall em 2009.                                                                               

A trama acontece em um spa em Veneza, nos anos 1960, onde Guido e sua esposa chegam para tentar salvar o casamento. Ele também está tentando se esconder da sua produtora, que aguarda o roteiro de um novo longa-metragem, e se equilibra para atender aos chamados de sua amante. À beira dos quarenta anos, o cineasta mergulha no passado e resgata as mulheres com quem se relacionou ao longo da vida para servirem de inspiração e sair do imobilismo criativo. Em momento emblemático, elas forjam uma entrada triunfal em cena, compondo um esfuziante coro feminino que existe juntamente no presente, no passado e nas fantasias do protagonista. 

Moeller articula marcações que buscam dar clareza a um roteiro não linear, que entrelaça realidade e imaginação, episódios que já aconteceram e fatos de hoje. Há sequências, por exemplo, em que se torna difícil distinguir, em meio às coreografias, qual mulher de Guido está cantando para ele. A direção se desvencilha desses obstáculos, até mesmo da ausência da típica catarse emocional observada no gênero, e oferece um espetáculo que flui com naturalidade. O público é atraído pelo carisma do elenco, ainda que nem todas as atuações sejam homogêneas, trilha sonora contagiante e números musicais de grande vitalidade – as músicas, aliás, abrem brechas para que os atores brilhem no palco.

Mesmo um tanto fora do equilíbrio, o conjunto dá conta do recado. Na pele do egocêntrico e sexista Guido o ator italiano Nicola Lama, visto nos musicais O Mágico de Oz e Se Eu Fosse Você, canta com vibração e imprime charme e empatia ao personagem, exibindo autenticidade tanto nas cenas cômicas quanto nas dramáticas. De forma convincente, desenvoltura e graça, Gabriel Ferrarini faz a mesma figura aos nove anos de idade. Com voz melodiosa, Totia Meireles encarna a impaciente produtora do diretor, que no passado foi Lili La Fleur, ex-estrela do Folies Bergère. Sua performance na belíssima passagem Folies Bergère é marcante.

Carol Castro, intérprete da esposa Luísa Contini, injeta sinceridade e emoção a uma mulher que oscila entre a confusão e a raiva. Deixa a desejar, no entanto, na hora de cantar, principalmente nos números musicais com partitura difícil, caso de My Husband Makes Movies. Dona de timbre vocal límpido e forte presença cênica, Myra Ruiz desempenha a prostituta Saraghina, que iniciou sexualmente o personagem central. Ela protagoniza a cena mais bonita da montagem, ao interpretar com fogo e paixão a canção Ti Voglio Bene / Be Italian, que conta com Guidinho e o engajamento do elenco de apoio. A música fala dos truques para se fazer uma mulher feliz e todos tocam festivamente pandeiro. 

Jovem de 21 anos de idade, mas veterana em musicais, Malu Rodrigues sobressai como a sensual e libidinosa amante Carla. Com sua voz potente e bela silhueta, assume o papel sem embaraço algum. Vanessa Costa (*), assistente de coreografia que substituiu Mayana Moura na estréia, domina o canto e interpreta com segurança Cláudia, a musa dos filmes de Guido. Não muito à vontade no espetáculo, ao menos na primeira sessão, Beatriz Segall (**)aciona seus recursos técnicos para dar vida à mãe do protagonista, que ansiava um futuro religioso para o filho no lugar de construir obras complicadas até de explicar a seus amigos. Letícia Birkheuer tem presença bonita em cena no desempenho da jornalista Stephanie. Merece menção o elenco secundário, um grupo de belos rostos e vocais eficientes: Renata Villella (Nossa Senhora do Spa), Isabella Moreira (Giulietta), Camilla Marotti (Veronica), Laís Lenci (Francesca), Lola Fanucchi (Rossella) e Priscila Esteves (Sofia).

A equipe técnica reunida acerta o passo e contribui para a bem-sucedida encenação. A trilha sonora é executada com garra por uma orquestra de nove músicos, regida por Paulo Nogueira, também incumbido pela direção musical. O cenário de Rogério Falcão reproduz basicamente uma arquibancada e se ocupa de cadeiras movimentadas pelo elenco, criando os diversos ambientes da trama. A iluminação de Paulo César Medeiros é competente. Os figurinos de Lino Villaventura são sofisticados e de bom gosto, com destaque para os de Totia Meireles e Letícia Birkheuer. As coreografias de Alonso Barros geram impacto. Uma montagem digna, que valoriza a safra de musicais brasileiros.  

(Vinicio Angelici – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Roberto Ikeda)

 

Avaliação: Ótimo

 

Nine, um Musical Felliniano

Texto: Arthur Kopit

Músicas e Letras: Maury Yeston

Adaptação: Cláudio Botelho

Direção: Charles Moeller

Elenco: Totia Meireles, Carol Castro, Malu Rodrigues, Letícia Birkheuer, Nicola Lama e outros.

Estreou: 23/05/2015

Teatro Clara Nunes (Avenida Marquês de São Vicente, 52, Shopping da Gávea. Fone: 21. 4003-2330). Quinta a sábado, 21h; domingo, 19h. Ingressos: R$ 90 e R$ 120. Até 08 de novembro.  

(*) Substituída na temporada carioca por Karen Junqueira

(**) Substituída por Sonia Clara

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