EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Maria do Caritó

Interpretada com especial graça e singeleza, a protagonista desta peça é uma solteirona que se sente frustrada por não ter se realizado como mulher. Hoje com 50 anos, ainda virgem, ela nasceu de um parto complicado, que provocou a morte de sua mãe. Na ocasião, o pai prometeu a filha ao desconhecido santo Djalminha caso ela fosse poupada por Deus. Desde então, Maria tem carregado o fardo de ser virtuosa o tempo todo, se manter sexualmente intacta e promover milagres, ao menos segundo a lenda local – em dado momento, por exemplo, seus supostos dons milagrosos irão sofrer tentativa de cooptação pela  campanha eleitoral do coronel que manda prender e soltar naquela esquecida cidade interiorana. Infeliz nesse papel e sem outra opção, ela vive fazendo comoventes pedidos a Antônio e outros santos para que consiga um legítimo marido. Na cultura popular nordestina, caritó é uma pequena prateleira fixada no alto da parede que, fora do alcance das crianças, serve para esconder apetrechos domésticos, como carretel de linha e cachimbo. É esse nicho imaginário que abrigaria as mulheres solteiras e esquecidas pelo amor.

Com direção sem emendas de João Fonseca, a montagem se vale da simplicidade, fantasia e humor para levar ao palco a envolvente e deliciosa peça de Newton Moreno escrita especialmente para a atriz Lília Cabral. Terno, faceiro e lúdico, movido a diálogos espontâneos e pitadas de extravagâncias, o texto presta uma carinhosa homenagem ao circo-teatro e à sua peculiar candura poética. Ao se apropriar da linguagem, muito em voga até os anos 1960, o autor descortina o melodrama piegas e a caricatura explícita, e desentoca tipos como o galã enamorado, a moça ingênua e o velho ridículo. Trata-se de uma fábula que, ao levar ao centro da trama uma heroína e seus duplos – santa e palhaça, recatada e fogosa, por exemplo - tece comentários sobre crendices e costumes do imaginário popular do interior do País. E a galeria de situações cômicas desencadeadas pelo enredo é tamanha que o público, fisgado como cúmplice, se diverte espreitando cenas impagáveis como a da galinha estressada, o tosco número musical preparado por Maria no teste para ingressar no circo e sua derretida reação após dar o primeiro beijo no seu príncipe encantado.    

A atmosfera de encanto e magia do espetáculo tem a assinatura de um elenco não só versátil como em plena sintonia com a proposta do autor. É visível como os atores pulsam alegria em cena e se entregam com paixão aos seus personagens. Com um repertório infinito de expressões e sentimentalismo à flor da pele, Lília Cabral dá vida à frágil, doce e guerreira personagem-título, que irá se apaixonar pelo bonitão do circo, um falso russo. Não menos memorável, Dani Barros valoriza todas as suas intervenções, especialmente convertida em uma galinha que cacareja e bota ovos quando irritada. Também se desdobrando em vários papéis, o trio restante oferece um show à parte. Eduardo Reyes é tanto a figura que mente sobre sua origem quanto o sujeito romântico. Fernando Neves encarna o pai inescrupuloso da protagonista. Silvia Poggetti é Fininha, a devotada amiga que ajuda Maria a fazer simpatias para conseguir casamento, além de proprietária do circo e beata.

A equipe técnica seguiu à risca o conceito da encenação. Nello Marrese desenhou um cenário que evoca a linguagem do circo, das festas juninas caipiras e da cultura popular, preenchendo o palco com paus de sebo, imagens de santos, baús típicos e caritós. Composta por Alexandre Elias, a trilha sonora dialoga com as situações retratadas – os atores chegam a cantar e tocar instrumentos. Intencionalmente burlescos, os figurinos de J. C. Serroni enriquecem a composição dos personagens. Paulo César Medeiros, responsável pela luz, também interage satisfatoriamente. Trata-se de uma montagem que, à parte seu condão para o riso fácil, resgata reflexões ainda atuais em muitas regiões brasileiras, como a persistência de um tipo de devoção religiosa muito apegada às crenças no poder das entidades divinas sobre destinos individuais. Mais do que produzir o riso, o texto de Newton Moreno pincela uma sociedade engessada pela imutabilidade de valores e idéias. A história de Maria, em busca desenfreada pela identidade perdida, é a narrativa de uma mulher disposta a fugir de uma assombração.                     

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Cláudia Ribeiro)

 

Avaliação: Ótimo

 

Maria do Caritó

Texto: Newton Moreno                                                                                                   

Direção: João Fonseca                                                                                                    

Elenco: Lilia Cabral, Fernando Neves, Dani Barros e outros.                                             

Estreou: 10/08/2012                                                                                                           

Teatro Faap (Rua Alagoas, 503, Higienópolis. Fone: 3662-7233). Sexta, 21h30; sábado, 21h; domingo, 18h. Ingresso: R$ 30 a R$ 80. Até 16 de dezembro. 

 

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