EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Pessoas Absurdas

A peça do dramaturgo inglês Alan Ayckbourn reúne personagens que lutam para manter a sua máscara pública em situações sociais, embora no âmbito privado eles desnudam as suas verdadeiras faces. Essa afiada mescla de farsa e comédia, já montada no Brasil nos anos 1970 e agora em nova versão assinada por Otávio Martins, expõe a relação disfuncional entre três casais de classe média ao longo de três sucessivos natais. Sob a camada de humor da trama escorre uma visão sombria da mesquinharia e miséria humanas. Não foi por acaso que o autor situou os três atos nas cozinhas das famílias envolvidas, lugar ideal para queixas que, na sala de estar, seriam avaliadas como falta de verniz – a decoração e a ambientação dos conjuntos, por sinal, espelham as personalidades e o status social dos personagens. Em cada ocasião um casal está se preparando para entreter os amigos e colegas de trabalho para a festa nataliana. Como é característico em sua obra, Ayckbourn ilumina também a incompatibilidade conjugal e deixa entrever os maus-tratos dos homens para com as mulheres, a quem enxergam como meros objetos.    

Em cena estão estas três duplas que sobem e descem na pirâmide social com o passar dos anos – há um quarto casal, os Potter, que nunca aparece mas é sempre citado e, ficamos sabendo, aborrece com suas piadas sem graça. O primeiro ato transcorre na cozinha do ambicioso comerciante Sidney e sua agitada esposa Jane, obcecada pelo trabalho doméstico. Ansiosos em impressionar seus convidados, socialmente superiores, recebem o arquiteto mulherengo Geoffrey e sua mulher cronicamente deprimida Eva, os próximos anfitriões, e o rígido banqueiro Ronald e a parceira alcoólatra Marion, que serão visitados pelos demais na sequência final. Todos irmanados na filosofia de que um encontro de natal bem sucedido pode render dividendos, significar a diferença entre o sucesso e o fracasso.

Ayckbourn é um observador arguto e manipula seus personagens com destreza, no fio da navalha entre o cômico e a angústia nervosa. Ele explora o riso a partir do caos que se instala e produz desdobramentos. O espectador acompanha a forma progressiva como as relações sociais vão se desintegrando e as dinâmicas entre os casais se transformando.  No miolo, por exemplo, a depressiva Eva passa o tempo todo tentando se suicidar. O curioso é que todas as suas tentativas são atrapalhadas pela generosidade dos convidados, que confundem seus desejos de morte – é divertida a cena em que Jane se propõe a limpar o forno em que Eva havia acabado de enfiar a cabeça. No terceiro ato, Marion entregou-se de vez ao alcoolismo e Geoffrey, em absoluto colapso financeiro, tornou-se um espectro comparado à sua antiga personalidade brincalhona. Sidney e Jane estão em ascensão financeira e Ronald, que desprezara o casal no início, agora tem de cortejá-los para manter os seus negócios, da mesma forma que o arquiteto precisa deles para descolar um emprego. Tudo virou de ponta cabeça e todos terão de dançar uma nova música.

Originalmente passada na década de 1970, a história foi transferida para a seguinte pelo diretor Otávio Martins. Uma opção bem-sucedida porque os anos 1980 acabaram sendo a gênese do individualismo e suas implicações na vida cotidiana. Os personagens deste enredo são a prova do triunfo do egoísmo sobre o altruísmo e da falência do sentido coletivo. A direção também acerta na articulação entre os diversos elementos em cena, especialmente no segundo ato, movido a comédia física e seus muitos movimentos frenéticos que devem ser bastante sincronizados para funcionar – enquanto o forno é limpado, o ralo da pia é fixado, uma luminária é reparada e Eva se rasteja pelo espaço  em suas tentativas de se matar. São situações que não se sobrepõe sobre a ação e emergem com relativa naturalidade. A encenação não é o tempo inteiro satisfatória. As flutuações de classe são pouco demarcadas e o desenvolvimento dos personagens, por vezes, se dá sem nuances. A perda do equilíbrio entre a farsa e a seriedade tem como efeito colateral um flerte com a caricatura, atraindo o olhar do público para os maneirismos e trejeitos das figuras no palco e não para o conteúdo, fator que conspira contra a
atmosfera crítica e subversiva do texto.

No elenco, a ala feminina sobressai. Fabiana Gugli (Marion), sempre com um copo ou garrafa de gin na mão, desenha uma mulher vazia e cheia de poses. Esther Laccava (Eva) compõe uma figura comovente por causa da regressão trágica. Fernanda Couto (Jane), é hilária e pungente ao mesmo tempo. Edu Guimarães (ator que substituiu Marcello Airoldi na sessão a que este crítico assistiu) é hábil no jogo cômico e realça o comportamento astuto e oportunista de Sidney. Eduardo Semerjian faz o banqueiro britânico frio e insolente, que definha a olhos vistos. Kiko Vianello interpreta o arquiteto boçal de charme rude, que também desbota no decorrer da trama. Um espetáculo que contém imperfeições, mas com material de reflexão suficiente para gerar uma sensação de desconforto. No desfecho, o novo rico Sidney instiga todos a dançar em torno da mesa. Ou seja, vão fazer o seu jogo aparentemente engraçado. Ele se tornou um indivíduo repulsivo. Ayckbourn exibe predileção em sublinhar que a ascensão de uns equivale necessariamente ao declínio de outros.  
(Edgar Olimpio de Souza –
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(Foto: Luciana Serra)
 

Avaliação: Bom

 

Pessoas Absurdas

Texto: Alan Ayckbourn

Direção: Otávio Martins

Elenco: Marcelo Airoldi, Fernanda Couto, Kiko Vianello, Ester Laccava, Eduardo Semerjian e Fabiana Gugli.

Estreou: 24/03/2012

Teatro Jaraguá (Rua Martins Fontes, 71, Centro. Fone: 3255-4380). Sexta, 21h30; sábado, 21h; domingo, 19h. Ingresso: R$ 50. Até 27 de maio.

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