EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

  • Font size:
  • Decrease
  • Reset
  • Increase

Teatro: Esta Criança

Há quem imagina o amor maternal, paternal e filial como um sentimento invulnerável aos conflitos e mal-entendidos. Não é bem assim, como mostra o dramaturgo francês Joel Pommerat. Em dez cenas curtas, calçadas em diálogos secos, linguagem direta e despidas de moralidade, o autor expõe diferentes ângulos da relação entre pais e filhos. O espectador acompanha situações no limite da tensão que explodem no palco sem justificativas a respeito. Uma mãe discute com a filha e não necessariamente sabemos o que aconteceu antes e o que sucederá depois. O texto abre mão de possíveis leituras psicanalíticas e sociológicas. Estruturada sem curvas dramáticas, embora intensa, o que importa na peça é a entrelinha, o insinuado, o entrevisto, o substrato escondido sob o silêncio sombrio, a aspereza das palavras, o desconforto dos embates.    

Com assinatura de Márcio Abreu, a envolvente e condensada montagem evolui sem tropeços e está em sintonia com essa atmosfera meio claustrofóbica de encontros e desencontros familiares, do retrato de um mal-estar inerente à convivência entre os genitores e seus rebentos. Sem nome, os personagens são identificados e reconhecidos apenas por seus laços de parentesco. Eles dão vida a histórias e discussões sobre desamor, desconfianças, nascimento e morte, ressentimentos, revelações exasperantes. Embora o contexto seja o universo familiar, enganosamente visto como núcleo afetuoso, o olhar é tristonho, mesmo amenizado eventualmente por alguns rasgos de humor.

A encenação mantém-se o tempo todo em estado de apreensão e inquietação. Começa com um monólogo, no qual uma jovem grávida insiste em provar para a sua mãe ter condições de criar e educar a criança. Em outra circunstância, uma mãe é recebida com agressividade pela filha e o jogo de manipulação se desenvolve com uma leve inversão de poderes. Na sequência de maior impacto, duas mulheres estão em um necrotério para reconhecer um garoto que pode ser filho de uma delas. Em cena aflitiva, uma mulher prestes a dar à luz clama ao bebê para que nasça de vez, com medo de que ele queira permanecer em seu útero. Um filho chega a dizer para o pai que não o escolheu para esse papel. Uma mãe deprimida implora ao seu filho para faltar à escola e ficar ao seu lado. Uma menina que brinca em seu quarto se recusa a ver o pai.  

São percalços, situações-limite e instantes embaraçosos levados de forma convincente pelo elenco da inventiva Cia. Brasileira de Teatro, pilotada por Márcio Abreu, que conta neste espetáculo com a especial participação da atriz Renata Sorrah. Os quatro atores, que incorporam 22 personagens, têm como desafio revezar, em poucos minutos, sentimentos e humores tão díspares como segurança e instabilidade, histeria e afeto, dor e felicidade. A trupe se desincumbe da missão de maneira persuasiva. Em certos momentos, por exemplo, eles rompem a quarta parede e encenam nos corredores da platéia iluminada, buscando a cumplicidade do público. Há o cuidado ainda de encontrar o registro adequado o suficiente para não atrair a compaixão do espectador, potencializando diversas interpretações.

Renata Sorrah oferece uma performance tão contundente quanto sensível. Giovana Soar aciona um repertório de gestos sutis. Ranieri Gonzales é um intérprete que valoriza cada intervenção. Edson Rocha oscila entre o realismo e o devaneio. O diretor desenhou marcações comedidas, sem movimentos bruscos e excessivos, buscando escapar da grandiloqüência emocional. Clean e austero, o cenário de Fernando Marés é um espaço cênico montado em diagonal, suavemente inclinado e deslocado, que funciona como metáfora das relações assimétricas ali expostas. Nesta peça que sublima o sofrimento, Pommerat fala do contraste existente entre a idealização da família feliz e a vida real. Os seres humanos que circulam pelo palco se encontram em estado agudo de vulnerabilidade. Ou de equilíbrio precário, como frisou o autor em uma entrevista.

(Edgar Olimpio de Souza O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto: Sandra Delgado)

 

Avaliação: Bom

 

Esta Criança 

Texto: Joël Pommerat   

Direção: Marcio Abreu  

Elenco: Renata Sorrah, Giovana Soar, Ranieri Gonzalez e Edson Rocha.  

Estreou: 19/04/2013

Sesc Vila Mariana (Rua Pelotas, 141, Vila Mariana. Fone: 5080-3000). Sexta e sábado, 21h; domingo, 18h. Ingresso: R$ 8 a R$ 32. Até 9 de junho.
 

Comente este artigo!

Modo de visualização:

Style Sitting

Fonts

Layouts

Direction

Template Widths

px  %

px  %