EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: A Serpente no Jardim

Não há nenhuma serpente visível nesta peça, embora os personagens se movimentem de forma tortuosa e chegam a destilar veneno uns contra os outros. Alan Ayckbourn, autor inglês que tem tido alguns de seus textos encenados com relativa freqüência nos palcos paulistanos, foge de suas costumeiras comédias de humor ácido para enveredar pelo suspense. Uma cadeira de balanço se mexe sozinha, uma saraivada de bolinhas de tênis parte de uma quadra coberta de mato, há um corte de energia fortuito, sons assustadores, fumaça, um corpo atirado dentro de um alçapão. O surpreendente, no entanto, é que o público mais se diverte do que se assusta com os eventos. Os fantasmas que rondam o jardim onde acontece toda a ação, na verdade, são aqueles que estão recalcados dentro dos personagens, gerados de um passado que teima em assombrá-los como pesadelos. Nesse sentido, o enredo é o que menos importa. Duas irmãs, Annabel e Míriam, se reencontram após duas décadas de afastamento. O pai delas morreu e a enfermeira chantagista que tratava dele, Alice, tem uma carta que contém segredos e inconveniências da família. À primeira vista, parece até um típico filme B ou uma trama da extração de Edgar Allan Poe e Agatha Christie. Observado com lupa, o texto evoca sutilmente temas incômodos como abuso sexual, alcoolismo, crueldades familiares, rivalidades, afetos dilacerados e lutas de classe. Por trás da máscara do suspense e da comicidade mordaz, Ayckbourn deixa entrever tragédias pessoais.  

Assinada por Alexandre Tenório, a montagem explora acertadamente a tensão inerente da história e o terror psicológico que vai se materializando aos poucos. Annabel fugiu da tirania paterna, casou-se e, em meio a uma vida cultural intensa, desintegrou-se num ambiente regado a álcool e episódios de violência. Miriam continuou solteira e submeteu-se ao pai dominador e intolerante. Ao cuidar dele na velhice, admite que chegou a triplicar a medicação e empurrá-lo da escada. São duas figuras profundamente marcadas por feridas não cicatrizadas da infância. O diretor destaca o peso da decepção que esmaga o presente das duas irmãs e o jogo de poder que se estabelece entre elas, obrigadas novamente a conviver pelas circunstâncias e chantageadas por uma enfermeira vingativa. A encenação talvez não tivesse alcançado tão bom resultado se não reunisse um trio afinado e talentoso. Atriz de carreira respeitável e insinuando-se como diretora, Lavínia Pannunzio imprime um certo tom aristocrático à Annabel. Alejandra Sampaio interpreta com bons recursos técnicos a enfermeira nada ética e ameaçadora. O papel mais difícil coube a Cristina Cavalcanti, que teve de engordar e se enfear, valendo-se de recursos de maquiagem e figurinos por ela desenhados, para dar mais veracidade à Miriam, mulher que se embruteceu ao renunciar aos seus projetos pessoais. Responsável pela programação visual, Paulo Falzoni concebeu um jardim em tons desbotados que, aliada à iluminação soturna de Aline Santinni, contribuem para acentuar a atmosfera fantasmagórica. A excelente trilha sonora de Eduardo Agni pontua o clima de suspense. Trata-se de uma obra que tira o espectador de sua zona de conforto ao expor demônios interiores e fantasmas que saem do armário. 
(Vinicio Angelici – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Lígia Jardim)

 

Avaliação: Bom 

 

A Serpente no Jardim

Texto: Alan Ayckbourn                                                                                                      

Direção: Alexandre Tenório                                                                                                   

Elenco: Lavínia Pannunzio, Cristina Cavalcanti e Alejandra Sampaio.                           

Estreou: 14 de abril                                                                                                                              

Espaço Parlapatões (Praça Roosevelt, 158, Centro. Fone: 3258-4449). Quinta e sexta, 21h. R$ 40. Até 17 de junho.  

 



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