EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Cinema: História de Um Casamento

Avassalador e pungente, o filme do diretor americano Noah Baumbach acompanha a história da separação de um casal que, a propósito, começa cheia de sentimentos e carinho. Nos primeiros minutos, Nicole (Scarlett Johansson) e Charlie (Adam Driver) enumeram os atributos mais notáveis do outro, enquanto um conjunto ilustrativo de cenas caseiras preenche a tela. Tudo muito encantador. Na verdade, tais listas de singularidades não foram elaboradas para celebrar a união desses típicos intelectuais americanos de classe média. Faz parte de uma dinâmica sugerida por um terapeuta, na função de conselheiro matrimonial. No consultório, em meio a uma atmosfera tensa, o exercício proposto pelo profissional acaba sinalizando o início do fim do casamento de ambos.

Nicole é musa e estrela das produções de Charlie, um diretor que pilota uma elogiada companhia de teatro de vanguarda em Nova York. Ela está de partida para a cidade natal de Los Angeles, convidada para atuar em um piloto de um eventual seriado televisivo. A circunstância se torna ideal para se reaproximar de sua mãe (Julie Hagerty) e de sua irmã (Merritt Wever), além de se redescobrir como protagonista da sua existência, após anos nutrindo a sensação de viver à sombra do marido. Já Charlie quer continuar morando em Nova York, especialmente agora que algumas portas se abrem – ele está preparando sua trupe teatral para encenar uma peça na Broadway. O principal ponto de desavença é a custódia do filho Henry (Azhy Robertson), de 8 anos, que, durante o desenrolar dos eventos, vira uma espécie de peão nas mãos dos pais em litígio. Nicole contrata a agressiva advogada Nora (Laura Dern, em desempenho intenso) e Charlie será representado inicialmente pelo plácido advogado Bert Spitz (um ótimo Alan Lada) e, na sequência, pelo impetuoso Jay (Ray Liotta, vigoroso). 

Conforme a ação judicial ganha corpo, fisionomia e foge do controle, ressentimentos, recalques e negligências amontoados ao longo da relação sobem à superfície. Na volta do trabalho, por exemplo, nem se dignam a sentar juntos no metrô. Se no princípio os dois pretendiam que o desenlace transcorresse de maneira amistosa e cordial, a evolução dos acontecimentos desaguou em uma guerra sem tréguas. “Temos que nos preparar para ir ao tribunal, a fim de evitar ir ao tribunal”, por vezes repete Spitz para Charlie. 

Por que não deram certo?, é a pergunta que fica no ar. A resposta é intencionalmente inconclusiva e cabe ao espectador elaborar suas hipóteses. O fato é que Baumbach escreveu o roteiro a partir das memórias de seu próprio divórcio da atriz Jennifer Jason Leigh - o longa, por sinal, observa mais o lado do homem na separação, porém sem tomar partido. O cineasta se serviu dessa experiência pessoal para subsidiar um retrato convincente e angustiante do naufrágio de um romance, com uma criança perdida no mar e uma família que precisa sobreviver. Certas cenas são notáveis. Em uma delas, Nicole desfia para a sua advogada a trajetória de seu relacionamento. É um relato devastador, destituído de heróis ou vilões. Em outra passagem marcante, uma audiência no tribunal vira uma batalha verbal temperada por revelações mundanas. Por fim, quando Nicole irrompe no apartamento alugado de Charlie, o lacre de civilidade é rompido e se entregam a um pugilato de insultos e acusações.

A trama cairia bem se transposta para o palco, porque o realismo do enredo, o frenesi emocional e os diálogos inteligentes compõem o substrato ideal para grandes desempenhos. Scarlett Johansson e Adam Driver mergulham com profundidade nas respectivas psiques de seus personagens complexos. A atriz exibe sensibilidade na pele de uma mulher que deseja encontrar sua voz e personalidade. O ator é intenso na composição do diretor egocêntrico, que alterna momentos de autopiedade e ira. 

Produzida pela Netflix, a obra não esconde a influência de Cenas de Um Casamento, o clássico de Bergman que explicita a tese de que o amor entre um homem e uma mulher não passa de um efêmero período de felicidade. Aqui, não estamos diante de um conto de amor que perdeu o fôlego e o fogo. Trata-se de uma crônica de crescente beligerância mútua, ainda que a fronteira entre esses sentimentos possa ser pálida e indistinta. Nicole e Charlie chegaram longe demais para retroceder e devem continuar a marcha da insensatez até o arremate amargo. Eles não barganham somente os termos da ruptura, deveres e direitos e a guarda compartilhada do filho, mas a narrativa de quando coabitavam o mesmo espaço. O paradoxo é que Nicole e Charlie se amavam no passado e agora, no curso do processo, se deixam ser regidos pelo ódio, aquele ódio que só alguém que amou bastante é capaz de exprimir.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

História de Um Casamento

Título Original: Marriage Story (Estados Unidos, 2019)

Gênero: Drama, 136 min

Direção: Noah Baumbach

Elenco: Scarlett Johansson, Adam Driver, Laura Dern, Ray Liotta, Alan Lada e outros.

Estreou: Netflix

 

Veja trailer do filme:

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