EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Pterodátilos

Nesta comédia de humor negro, uma família de classe média alta desaparece aos poucos. O texto do dramaturgo americano Nicky Silver não deixa dúvidas de que a espécie humana caminha inexoravelmente para a extinção, como os dinossauros que um dia habitaram o planeta e sucumbiram. Um dos personagens, que volta cinco anos depois à casa dos pais, informa que está com aids e ninguém parece disposto a confortá-lo. Como na dramaturgia de Edward Albee e Joe Orton, os personagens se entregam ao exercício de negar os fatos porque vivem em mundo grotesco, despido de humanismo.  A irmã dele (Marco Nanini), por exemplo, uma mulher tensa de trinta anos e ainda virgem, tem problemas de memória e sequer se lembra dele. Ela é noiva de um garçom simplório (Felipe Abib), que acaba virando empregada doméstica no casarão e vai perder o interesse no matrimônio. A mãe (Mariana Lima) é uma consumista sem freios, fútil e alcoólatra, perdida em divagações narcisistas. O pai (Nanini, em papel duplo) é um executivo frustrado, alheio, figura quase sem voz e passiva no núcleo familiar. O filho (Álamo Facó) retornou para morrer e ajudar aos outros a perceberem que, no fundo, todos ali estão mortos. A desagregação acontece sem sutilezas. A metáfora dos ossos de um animal pré-histórico - daí o título que se refere a uma espécime extinta - que são achados no subsolo do casarão é evidente. Da mesma forma que é óbvio o cenário-personagem. Trata-se de um palco móvel em processo de desmontagem, que perde o assoalho e abre fendas que parecem túmulos e obriga os atores a caminharem no meio fio. Nem assim a família disfuncional parece se abalar, envolvida que está nesses encontros e desentendimentos. A cenografia conceitual de Daniela Thomas, o elenco vigoroso e a direção ousada e criativa de Felipe Hirsch, em completa sintonia com a proposta do autor, reforçam as qualidades de um espetáculo que desconcerta valendo-se do registro do humor. Curtos, absurdos e corrosivos, os diálogos são tão diretos e honestos que a crueldade das palavras provoca riso constante. É interessante como o autor passeia por temas exasperantes como alcoolismo, incesto, homossexualismo, relação edipiana e violência com frases coloquiais de tamanha sinceridade.   

A fábula sombria, que fazia parte de uma montagem dupla levada pelo mesmo diretor e o ator Marco Nanini em 2002, é mais do que um conjunto de situações. Os ossos amontoados podem ser vistos também como os esqueletos que essa família esconde inutilmente dentro do armário. A ruína moral dessas figuras patéticas, numa encenação acelerada, de poucas pausas para reflexão e um entra-e-sai frenético de personagens, está em toda parte. Na máscara plastificada da mãe, na arma que é entregue como presente de casamento, no morto que não é enterrado e num fantasma que reaparece. Silver cutuca uma América predatória ao colocar em cena um personagem aidético para lembrar que a sociedade pouco se importava quando a Aids matava homossexuais e usuários de drogas. Ele reaviva o darwinismo ou sugere que a desaparição da raça humana pode fazer parte, à semelhança dos dinossauros, da ordem natural das coisas. Ou, quem sabe, de um desejo divino. A montagem apóia-se num conjunto homogêneo de atuações impagáveis, encabeçado por Nanini em desempenho arrebatador como pai e filha, equilibrando-se no tempo necessário para se alternar entre os dois personagens. Mariana Lima tem interpretação intensa e cheia de matizes. Álamo Facó e Felipe Abib são atores de grande desenvoltura e entregam-se aos seus papéis com eletricidade. A iluminação de Beto Bruel sublinha o jogo emocional em cena. No palco, uns dizem aos outros coisas terríveis e, mesmo assim, a peça não perde a sua natureza cômica.  

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto: Carol Sachs)

 

Avaliação: Ótimo

 

Pterodátilos

Autor: Nicky Silver

Direção: Felipe Hirsch

Elenco: Marco Nanini, Mariana Lima, Álamo Facó e Felipe Abib

Estreou: 18/03/2011

Teatro Faap (Rua Alagoas, 903, Higienópolis. Fone: 3662-7233/4. De 18/3 até 29/5. Sexta, 21h30; sábado, 21h; domingo, 18h. Ingressos: R$ 60 e R$ 80. Até 29 de maio.

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