EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

  • Font size:
  • Decrease
  • Reset
  • Increase

Teatro: Os Náufragos da Louca Esperança (RJ)

Como se fosse um livro de imagens em movimento, o espetáculo de quase quatro horas da mítica trupe francesa Théâtre du Soleil desembrulha uma reflexão sobre a utopia do teatro e da política. Nesta montagem, já exibida em São Paulo e que segue para o Rio Grande do Sul após a temporada carioca, o mundo dos náufragos funciona como um microcosmo da história humana. Adaptada por  Hélène Cixous, a partir do livro Os Náufragos do Jonathan, de Júlio Verne, e dirigida por Ariane Mnouchkine, a peça é ambientada na França de 1914, época tingida por eventos violentos que produziriam a Primeira Guerra Mundial. O cenário é uma taberna parisiense, disponibilizada pelo taberneiro Felix para que seja transformada em um improvisado set de filmagem. Na trama, Jean La Palette, diretor de cinema egresso dos estúdios Pathé, e sua irmã Gabrielle, animados com o espírito da belle époque, acreditam que a arte pode servir de instrumento para disseminar princípios socialistas e pacifistas. Ambos decidem rodar um filme mudo, cuja história contece no final do século 19, valendo-se do recém-inventado cinematógrafo. No elenco, cozinheiros, garçons e frequentadores da taberna.

Assim, o espetáculo divide-se entre as filmagens dessa fita, que acontece à vista da platéia, com legendas e os atores apenas abrindo a boca e gesticulando, e a história do filme em si. Na trama caricatural e maniqueísta do longa-metragem, as aventuras do navio – não à toa batizado de Louca Esperança - e de seus passageiros emigrantes, que partem do Reino Unido em 1895, em direção à Austrália, e acabam soçobrando na Terra do Fogo. Uma multidão de personagens se espalha pelo palco, como um arquiduque, capitalistas selvagens, jovens amantes, missionários, assassinos, indígenas, colonizadores gananciosos, traidores de todos os tipos. Até uma figura misteriosa, dada como morta, está bem viva. Com o inesperado naufrágio, abre-se a oportunidade para que os viajantes ponham em prática o sonho de criar a primeira sociedade socialista, ponto de partida para reinventar os ideais iluministas que impulsionaram a Revolução Francesa. O projeto, no entanto, esbarrará em divisões internas no grupo.

Na montagem, que escorre de forma fluída, os atores refazem o enredo a todo instante. Os percalços da filmagem, em paralelo com os agitados acontecimentos políticos da Europa, se emaranham na construção da rigorosa dramaturgia cênica. O público acompanha, auxiliado por legendas em português, a magia e fantasia que cercava as produções cinematográficas daquela época. Vê-se o mar revolto, tempestades de neve, o naufrágio. Nas cenas de ventania, por exemplo, membros da equipe usam ventiladores para sacudir o cachecol dos atores. A maneira como se monta o cenário diante da plateia convence de que as personagens estão num navio encalhado no gelo. O anti-ilusionismo é reforçado pela neve de papel e gaivotas presas a longas varas que voam pelo espaço. A direção valoriza a teatralização e foge do naturalismo, desenhando cenas que se alternam como quadros, com maior ou menor importância - em uma das melhores sequências, a personagem Victoria divide o mundo como se fosse um pedaço de bolo. É uma fórmula que se reproduz ao longo do espetáculo, às vezes resvalando no tédio pela repetição.

Inteligente, a ocupação do imenso espaço se dá com módulos e praticáveis, que têm o condão de transportar o espectador para diversos lugares e ambientes. As mudanças ágeis e a manipulação dos adereços se destacam pelo refinamento. A movimentação do numeroso elenco é coreografada com maestria e inventividade. A encenação é encharcada por trilha sonora executada ao vivo pelo músico e compositor Jean-Jacques Lemêtre, que desfia repertório de Beethoven, Berlioz e Carl Orff. O espetáculo, porém, não é redondo. Há insuficiência de informação, por exemplo, sobre a origem de Jean e Gabrielle, a teoria que preconizam sobre filmes populares e educativos e o próprio financiamento da fita. Com excesso de personagens e tipos, sobra pouco para digerir suas personalidades e mudanças de comportamentos. Em que pese a fluência e naturalidade da encenação, os diálogos pouco avançam além da linha da superfície, tecendo uma leitura ligeira sobre os temas abordados. São limitações que não chegam a desidratar um trabalho que passeia por diversos gêneros e subgêneros (melodrama, aventura, burlesco, pastelão) e explicita os bastidores, numa homenagem às diversas faces do fazer artístico.  

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )                                                            

(Foto: Michèle Laurent)

 

Avaliação: Bom

 

Os Náufragos da Louca Esperança

Direção: Ariane Mnouchkine                                                                                           

Música: Jean-Jacques Lemêtre                                                                                          

Texto: Hélène Cixous, adaptado do romance Os Náufragos do Jonathan, de Júlio Verne                                       

Elenco: Thèâtre Du Soleil                                                                                                                                    

HSBC Arena (Avenida Embaixador Abelardo Bueno, 3401, Barra da Tijuca. Fone: 21. 2035-5200). Terça (8) a sábado, 20h; domingo, 18h (13). Quarta (15) a sábado (19), 20h. Ingresso: R$ 80. 

 

Veja cenas do espetáculo:

 

 

 

Comente este artigo!

Modo de visualização:

Style Sitting

Fonts

Layouts

Direction

Template Widths

px  %

px  %