EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: A Volta ao Lar

Na monótona e decadente residência da família do viúvo Max, onde só vivem homens, a atmosfera é contaminada por ressentimentos, ausência de afetos, intolerância generalizada e atitudes medíocres. E o clima irá piorar a partir da chegada inesperada do filho mais velho Teddy, acompanhado da sua mulher Ruth, depois de longos anos vivendo nos Estados Unidos sem dar notícias, para onde se mudara para estudar Filosofia. A visita surpresa produzirá o efeito de redesenhar o lar, impregnando as relações entre os seus membros de uma tensão sexual e um sentido maternal. O núcleo familiar mostrado pelo dramaturgo inglês Harold Pinter (1930-2008) exala uma realidade em que não há explicações conclusivas ou justificativas concretas para as ações ali exercitadas.  O espectador deve se preparar para uma peça nem um pouco preocupada em fornecer pistas para o comportamento irracional e as motivações dos personagens. Cada um age e reage sob algum tipo de pressão e tudo é aceito de forma muito natural. A insinuante montagem dirigida por Bruce Gomlevski, terceiro espetáculo da Cia. Teatro Esplendor, sublinha a luxúria, a avareza e a inveja que acometem e destroem aquela família, cujo modo de expressão se realiza pela troca de hostilidades, diálogos brutais, palavras que ferem e exercício de sadismo. Mesmo que aqui e ali se furte a valorizar as pausas, os silêncios e a respiração, ingredientes caros à dramaturgia do autor, a encenação se equilibra convincentemente entre a comicidade velada e o drama latente, priorizando a potência do texto e o vigor da interpretação do elenco.   

Desconcertante e incômoda, com personagens tão próximos quanto distantes uns dos outros, a trama acontece em Londres, em uma casa que poderia ser um ringue de luta de boxe. A ação gira em torno da presença silenciosa de Ruth, que se deixa servir sexualmente pelo sogro e cunhados, sem se tornar promíscua por isso, ao mesmo tempo em que os domina por ser a única referência feminina num ambiente marcadamente masculino – o jogo contínuo de servidão e comando faz nexo com o fato da peça ter sido escrita em 1965, no ápice da revolução sexual. Alvo das mágoas e ódios acumulados, mãe postiça, mercadoria e prostituta, ela simboliza uma intimidação e uma redenção para um grupo habituado a consumir ou expelir seus integrantes como pus.  

Arieta Corrêa encarna uma Ruth enigmática e sensual, no tom exato que combina submissão e domínio. Gustavo Damasceno faz o acomodado e arrogante Teddy, que cede sua esposa com aparente conformismo, convencendo no papel do burguês que assume sua própria humilhação. Açougueiro aposentado, assolado pela raiva e maldade, o patriarca Max é vivido por Tonico Pereira. Ainda que envergando um registro um tanto histriônico, o ator desata uma performance vibrante e cheia de escárnio. Cínico e venenoso, o desocupado Lenny é desenhado na medida certa por Bruce Gomlevski. Na pele do aspirante a boxeador Joey, sujeito culturalmente limitado, Milhem Cortaz ressalta a instabilidade emocional e o destempero do personagem. Há ainda o irmão de Max, o alienado taxista Sam, interpretado sem tintas caricatas por Jaime Leibovitch.

Trata-se de um elenco em sintonia com a encenação crua, que dá conta de estampar a imobilidade e a estagnação que ronda aquele ambiente claustrofóbico e degradado, cujo maior símbolo é um sofá puído. Crivado de ambigüidades, o que se vê no palco é uma guerra de territórios que expõe a natureza animalesca do ser humano. A peça, no entanto, não julga esta família. Pinter se limita simplesmente a apresentá-los como predadores em plena atividade. Curiosamente, o título guarda uma ironia cruel. A volta ao lar não significa o regresso a um ninho amoroso, mas a um antro em que expressões como pai e filho são ditas com sarcasmo e ódio, em que conversa e gentileza evoluem para ameaça e provocação.                                                                                                    

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )                                                                 

(Foto Guga Melgar)

 

Avaliação: Ótimo

 

A Volta ao Lar

 

Texto: Harold Pinter

Direção: Bruce Gomlevski

Elenco: Tonico Pereira, Bruce Gomlevski, Arieta Corrêa e outros.

Estreou: 17/08/2012

Sesc Consolação (Rua Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque. Fone: 3224-3000). Sexta e sábado, 21h; domingo, 18h. Ingresso: R4 8 a R$ 32. Até 09 de setembro.

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