EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Cinema: Cisne Negro

Dirigido por Darren Aronofsky, o drama psicológico nos coloca em contato direto com o processo emocional interno da personagem central e, de alguma forma, com os nossos próprios. Talvez por isso tenha provocado reações tão controvertidas. A tímida Nina é bailarina de uma companhia de balé de Nova York e tem força, talento e disciplina para comandar cada músculo de seu corpo e dançar movimentos perfeitos arduamente exercitados. Ela foi escalada para protagonizar uma nova e ousada montagem do clássico O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky, e terá de encarnar os papéis do Cisne Branco e Cisne Negro. Esse desafio a coloca em áreas movediças de sua subjetividade. Se tem a graça, o perfeccionismo e a pureza do primeiro, faltam-lhe a malícia, a voluptuosidade e a sensualidade do segundo. Em atuação segura e comovente, Natalie Portman interpreta essa personagem suspensa de si e tão ocupada em ser a obra viva da mãe possessiva (Bárbara Hershey, de intensa presença), uma ex-bailarina que abandonou a própria carreira para dedicar-se a construir a da filha. Em uma tentativa de se passar a limpo, a mãe desenha a filha, traço por traço, obsessivamente. A jovem se deixa traçar com doçura, prazer e extrema adequação.O sonho é um só e os dois corpos são como braços dividindo tarefas: o mais velho comanda nos bastidores, o mais novo se apresenta no palco. Uma sintonia delicada e até necessária, mas que, estendida no tempo, faz de Nina uma bailarina de brinquedo, ninada pela caixinha de música e capaz de dançar apenas um mesmo tema infantil, puro e enjoativo. O segundo tempo traz prurido, tentação, resistência e escrúpulo. Uma erupção emocional vai se configurando aos poucos na protagonista. A pele de Nina coça, sangra, pulsa, perturba. Algo vem à superfície e anuncia o paradoxo: para dançar com a perfeição desejada pelo outro, Nina precisará encontrar o próprio desejo, libertar sua sexualidade e puxar de si mesma uma força muito além da doçura e da adequação. Só a agressividade inerente ao rompimento – cortar, expulsar, separar - dará a ela a chance de se tornarprimeira bailarina em sua vida.

É neste ponto de extremo conflito que Nina adoece e sua sexualidade é sentida como dança plena e mortífera. As forças de amor e ódio estão separadas demais e travam uma guerra devastadora, retratada no embate entre os dois cisnes. Para deixar vir à tona a energia vital de sua agressividade e romper com a sórdida pureza da infância, Nina alucina, atua suas emoções, projeta suas partes. Na tentativa de ocupação de si por si mesma, vive intensamente os confrontos e identificações com outros personagens que gravitam em sua volta. Uma bailarina recém-aposentada (Wyona Ryder, mergulhada na amargura), a quem Nina irá substituir e de quem rouba os objetos e o lugar. A aspirante ao mesmo posto de primeira bailarina (uma tentadora Mila Kunis), cuja liberalidade fascina e aterroriza. O prestigiado diretor artístico Thomas Leroy (Vicent Cassel, com a necessária arrogância), que a acolhe, seduz, desafia e convoca. Estimulada e acuada por todos eles, Nina beira o abismo e acompanhamos sem fôlego a forma cambaleante e transtornada com que busca constituir-se. Empurra a mãe para fora de seu quarto. Vê sua pele rasgando-se estranhamente em vários pontos. Joga os objetos de pelúcia no lixo. Fantasia experiências sexuais inebriantes. Observa no espelho um corpo com movimentos próprios e dissociados daquele que habita. Por fim, agride a amiga de palco e concorrente, figura do duplo que deseja ser e que sente querer tomar o seu lugar. Só assim poderá tornar-se dona de sua dança e apresentar-se, ao mesmo tempo, como Cisne Branco e Cisne Negro. O conflito de Nina é perturbador e chegamos com ela ao ponto da virada. A jovem alucina e nos assusta ao viver dentro de si, ao pé da letra, a história que tenta dançar. Todos nós, de alguma forma, temos pirações em momentos de extrema tensão. Todos vivemos os delírios de cada dia de maneira mais ou menos suportável. Por isso suspiramos, aliviados e fortalecidos, quando a amiga que sentimos ter assassinado bate à nossa porta e vem nos cumprimentar. Deixando-se tomar pelo sentir, a protagonista realiza uma dança perfeita, visceral. Nós a assistimos, inebriados pela conquista e torcendo para que a mancha em seu ventre seja apenas uma última alucinação. Do outro lado de nós, a loucura ameaça. Perturbados pelo contraste entre o prazer no olhar e o sangue esvaindo do corpo da bailarina, sabemos que a representação pode falhar. Nina está por um triz e pode tombar ali, entre o sentir e o sangrar, entregue aos aplausos frenéticos dos outros.

Beatriz Viana Dória

Psicanalista (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

 

 “Polêmico e controvertido, o longa desliza envolventes sequências de dança, capturadas com uma câmera de mão nervosa, além de explorar incômodos close-ups e fazer usodespudorado de espelhos. Há quem se fascine pelo salto final de Nina, pela carga simbólica que a cena carrega. Aronofsky, por vezes, se empolga mais com os clichês do gênero terror e compromete a intenção psicológica da trama. O tema do duplo foi muito utilizado pela literatura gótica do século XIX, em romances como O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson. A atmosfera psicológica, a fotografia expressionista e os ambientes opressivos do filme remetem ao perturbador Repulsa ao Sexo, obra-prima de Roman Polanski, cuja protagonista também se engalfinhava entre duas realidades. Como em seus trabalhos anteriores (Réquiem para um Sonho), o diretor instala novamente em cena personagens em processo doloroso e dolorido de autoconhecimento.” (Edgar Olimpio de Souza)

 

Avaliação: Ótimo

 

Cisne Negro

Título Original: Black Swan (EUA, 2010)

Gênero: Drama, 108 min

Direção: DarrenAronofsky

Elenco: Natalie Portman, Mila Kunis, Vincent Cassel e outros

Estreou: 04/02/2011

 

 

Assista ao trailer do filme:

 

 

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