EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Arte (RJ)

Um trio de amigos de longa data é arrastado para a luta verbal porque um deles comprou um quadro moderno, totalmente pintado de branco, por uma pequena fortuna. Sérgio, Marcos e Ivan imergem em um conflito que, na verdade, não tem como eixo central a discussão do que é a arte, mas um exame afiado sobre o valor e a importância da amizade. Com direção de Emílio de Mello, o texto da dramaturga francesa Yasmina Reza é uma comédia elegante, inteligente e espirituosa. Simples em sua aparência, porém uma envolvente reflexão sobre a difícil arte de se lidar com diferenças estéticas, gostos pessoais e escolhas de vida. Tudo tem início quando Sérgio, orgulhoso com a aquisição da tal obra, decide exibi-la aos seus dois melhores amigos, na expectativa de vê-los referendar a compra. Marcos não se conforma ao ver a tela grande, monocromática, com finas “cicatrizes” brancas diagonais, dependendo do ângulo e da distância em que é vislumbrada, de autoria do prestigiado artista Antrios. Como alguém pode desembolsar grana vultosa por um quadro que não parece arte, que não estampa uma figura? Sentindo-se ameaçado, o controlador e egoísta Marcos enxerga nessa aquisição um senso de superioridade de Sérgio. Ambos detonam um embate acalorado. Flagrado no meio do enfrentamento, o docemente trapalhão Ivan tenta agradar e tranqüilizar os dois. Pouco opinativo, indefeso e portador de visível falta de autoconfiança, ele não consegue compreender a fúria de Marcos sobre o quadro e sua indignação acerca do preço que ele sabe que Sérgio pode pagar. A guerra instaurada não só desafia os valores de cada um como fere a amizade cultivada há anos por eles.

É a partir dessas agressões inconscientes, consensos e dissonâncias que a peça se desenvolve, fascinante e cheia de controvérsias, contaminada por doses cavalares de humor. Como em Deus da Carnificina, desconcertante obra de Yasmina Reza, a diversão realmente começa quando os personagens deixam de lado a educação e começam a guerrear. Nessa arena, os três manipulam desesperadamente suas arraigadas crenças e princípios. O debate sobre o significado, o propósito e o valor da tela branca rapidamente deságua em duras sentenças de caráter. Ao explicitarem seus diferentes pontos de vistas, os três, no fundo, acabam falando de si. Denunciam suas desilusões, revelam seus medos e inseguranças, pesam o sentimento que os aproximam ou separam - eles vêem no outro apenas o que querem ver. O texto desdobra diálogos afiados e divertidos entre dois personagens, conversas a três, apartes voltados para a platéia, nos quais cada um busca a cumplicidade do expectador, frases que se repetem em situações diferentes.  Mesmo quando um deles tenta se conter, por exemplo, emerge um ar de ressentimento difícil de ser disfarçado.

A descolada direção de Emílio de Mello trabalha as marcações com os códigos de um balé bem urdido e contorna eventuais pontas soltas sublinhando a força da dramaturgia. O espetáculo evolui de forma fluída, sem sobressaltos. Em busca de novos sentidos, o diretor estabelece um curioso contraponto entre o que se vê no interior do ambiente cênico e o que acontece fora dele, quando os atores tratam de arrumar o cenário e os objetos, além de tocar o sinal. Cenas hilariantes avolumam-se, como a sequência em que Ivan desata a falar sobre o planejamento de seu casamento, quase perdendo o fôlego ao dar voz a diversos parentes, em uma espécie de ária patética. Em outro momento, ao compartilhar uma tigela de azeitonas, o silêncio é perturbador. A autora revela-se pródiga em materializar o pior da natureza humana, com sua pequenez e egoísmos.

A montagem escorre satisfatoriamente porque o elenco mostra sintonia com a proposta de equilibrar humor, afetos e fragilidades. Um rendimento menos inspirado poria a perder a encenação. Os três se movem em sincronia perfeita, mostram química que convence o público da longevidade de sua amizade. Suas performances são tão naturais e a interação tão instintiva que a direção se torna, de certa forma, invisível. Na composição de Sérgio, o médico colecionador de arte que se alheia na própria aquisição do bem, Cláudio Gabriel emplaca uma afetação circunspecta, um relativo cinismo e frieza calculados. Marcelo Flores interpreta o engenheiro Marcos como um feixe de nervos, cáustico, no meio fio entre a arrogância e a vulnerabilidade. Pesando um pouco na gestualidade larga, Vladimir Brichta encarna um Ivan pacificador e inseguro, abalado diante do seu iminente casamento por estar preso às demandas da noiva. É cômica a sua tentativa de mediar a disputa entre os outros dois amigos e chega a questionar as razões de estarem juntos se não param de brigar.  

A cenografia de Aurora dos Campos cria uma aparência de ilusão com a introdução de dois painéis brancos não paralelos. Os figurinos de Marcelo Olinto, a música de Marcelo Neves e a iluminação de Tomás Ribas corroboram a sensação de coerência estética e de linguagem que percorre a encenação. A montagem desnuda, em chave desabridamente cômica, como até mesmo o melhor amigo pode perder a compostura ou se tornar cruel em suas observações quando sua sabedoria ou motivações pessoais são desafiados. Na peça, emerge a convicção de que os vínculos emocionais entre as pessoas são tão difíceis de discriminar como as linhas brancas de uma tela branca. No final, eles se convencem de que são velhos amigos, mesmo capazes igualmente de se abraçarem ou esbofetearem entre si.  

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto André Wanderley) 

 

Avaliação: Ótimo         

 

Arte

Texto: Yasmina Reza

Direção: Emílio de Mello

Elenco: Vladimir Brichta, Marcelo Flores e Claudio Gabriel.                                        

Estreou: 19/08/2012                                                                                                            

Teatro Imperator (Centro Cultural João Nogueira. Rua Dias da Cruz, 170, Méyer. Fone: 21. 2596-1090). Sexta e sábado, 21h; domingo, 19h30h. Ingresso: R$ 30. Até 28 de setembro. 

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