EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: A Falecida

A infiel e tuberculosa Zulmira, figura central dessa trama, é uma espécie de heroína frustrada que, sem maiores expectativas na vida, só enxerga a sua própria morte.  Apesar de classificada como tragédia carioca, parece mais uma comédia de costumes sobre o cotidiano vulgar do subúrbio do Rio de Janeiro de cinco décadas atrás. Seus personagens falam de temas triviais e populares e têm o hábito de verbalizar muitas gírias. Ácido, o texto faz uma radiografia da condição feminina e da dura realidade da classe média baixa carioca dos anos 1950 e 1960. Esta montagem e a de Boca de Ouro, dirigidas por Marco Antonio Braz, ocupam o mesmo teatro em dias alternados e encorpam um projeto dedicado ao centenário de nascimento do dramaturgo, cronista e jornalista Nelson Rodrigues. Os dois espetáculos reúnem um único elenco, com mudança apenas dos protagonistas. No caso de Boca de Ouro, o bicheiro é vivido por Marco Ricca. Em A Falecida, Lucélia Santos assumiu o papel que foi até agosto último de Maria Luisa Mendonça. 

O enredo é simples. Casada com Tuninho, torcedor fanático do Vasco da Gama e um desempregado crônico, que gasta as sobras da indenização jogando sinuca e discutindo futebol, Zulmira é obstinada pela ideia da morte iminente. Não esconde o sonho de ser enterrada com pompa, estilo e luxo para, quem sabe, redimir-se da rotina monótona que leva. Atormentada pelas dúvidas, chega a consultar uma cartomante, que a alerta sobre uma mulher loura com a qual ela deve tomar cuidado. Pode ser a prima Glorinha, figura ausente em cena, mas cuja existência serve de estopim para a progressiva paranóia de Zulmira – no fim, já agonizante, ela pede para o marido procurar um tal de Pimentel, empresário rico, para que este custeie as despesas do seu enterro.

A encenação é temperada por um curioso jogo de luz e projeções no fundo do palco. E se vale do recurso, questionável, do personagem do autor narrando a própria história e suas rubricas. O intuito, talvez, seja o de criar um distanciamento do público e oferecer novas camadas de interpretação. Este crítico assistiu a montagem estrelada pelas duas atrizes escaladas para o papel protagonista. Ambas exibiram carisma e energia em doses equilibradas. Maria Luisa Mendonça, no entanto, faz uma Zulmira muito sofisticada no início, para uma personagem tipicamente suburbana, só encontrando o tom adequado na sequência final, ao aparecer deslumbrante e voluptuosa enfiada em um vestido vermelho. Em sentido contrário, Lucélia Santos se destaca nas primeiras aparições, como uma Zulmira de hábitos e trejeitos pouco refinados, e perde força ao representá-la de maneira sensual no encontro com o amante, durante o flashback.

O elenco se entrega com vigor aos seus papéis. Na peça, a personalidade dos personagens é revelada, muitas vezes, em apenas uma única frase. Em que pese o figurino estranho e de gosto duvidoso, Jackie Obrigon convence no papel da mãe de Zulmira. Willians Mezzacapa encarna, com verossimilhança, o mulherengo funcionário da funerária, tipo Don Juan do subúrbio, que acaba se apaixonando pela protagonista. Léo Stefanini está muito à vontade no papel de Pimentel, o esnobe dono de uma frota de lotações. Bastante seguro em cena, Gésio Amadeu desdobra-se em três personagens. Tuninho, no desempenho de Rodrigo Fregnan, é um tipo solar, desenhado com habilidade e paixão, que sublima suas mazelas por meio do fanatismo futebolístico. Sua única preocupação é a final do campeonato entre Vasco e Fluminense. O desfecho, por sinal, é retumbante - as duas arquibancadas cenográficas fincadas nas laterais do palco, de autoria de J. C. Serroni, transformam o espaço cênico num ensurdecedor Maracanã em dia de jogo. Montagem atraente de um texto debochado e irônico, movido por personagens imersos no exercício de suas frustrações, fracassos e infortúnios.     

(Vinicio Angelici - O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto: João Caldas)

 

Avaliação: Bom

 

A Falecida

Autor: Nelson Rodrigues

Direção: Marco Antonio Braz

Elenco: Lucélia Santos, Rodrigo Fregnan, Jackie Obrigona, Willians Mezzacapa e outros.

Estreou: 06/06/2012

Centro Cultural Fiesp (Av. Paulista, 1.313, Cerqueira César. Fone: 3146-7405). Sábado, 20h30; domingo, 20h. Ingressos: R$ 10. Até 02 de dezembro.

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