EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

  • Font size:
  • Decrease
  • Reset
  • Increase

Teatro: Dias de Vinho e Rosas

As primeiras cenas flagram Mona e Donal se conhecendo na sala de embarque do aeroporto de Belfast (Irlanda do Norte), a caminho de Londres. Ele é agente de apostas e ela é funcionária pública e ambos buscam uma nova oportunidade na capital inglesa. Para celebrar o promissor encontro, eles entornam alguns goles de uísque. A paixão brota, mais adiante se casam e nasce um filho. Os momentos de euforia e alegria, no entanto, terão breve prazo de validade. Lentamente o casal irá tombar frente à embriaguez abusiva e visceral. A sombria peça do dramaturgo norte irlandês Owen McCafferty é a adaptação teatral de uma série televisiva escrita por J. P. Miller em 1958, que migraria quatro anos depois para as telas de cinema pelo diretor Blake Edwards. Hoje um clássico, o filme estrelado por Jack Lemmon e Lee Remick ganhou no Brasil o título de Vício Maldito.

Assinada por Fábio Assunção, e protagonizada por Carolina Mânica e Daniel Alvim, a montagem brasileira não poupa imagens de impacto para efetivar o drama de um casamento em processo degenerativo. Por sinal, o desmoronamento não demora a ficar evidente. Mona e Donal perdem o controle da situação de tal modo que até achar uma garrafa de bebida alcoólica se torna mais urgente do que cuidar da criança. Embora o autor não explore convenientemente o tema, a peça escancara como os sonhos dos imigrantes podem ser destroçados pelo isolamento cultural. Um possível nexo de causa e efeito entre o desenraizamento e a pulsão etílica apenas tangencia o ponto central do enredo. Não é por descuido que o bookmaker faz menção a um lendário cavalo de corrida, que acaba tornando-se símbolo do projeto de um futuro melhor – o triunfo do animal na pista refletiria a esperança de bonança do par romântico. 

Com leves passagens cômicas intercaladas à tragédia em curso, eles se precipitam num exercício de discutir e conciliar em meio a golfadas intermináveis de bebida. Mas a ruína não será compartilhada equanimente. Enquanto o homem reage, ameaçado que está de perder o emprego, motivando-o até a pedir ajuda aos Alcoólicos Anônimos, a mulher está fadada a uma espiral descendente. Ela chega a ficar desolada ao sentir que o amor, construído e movido sob a benção do álcool, está por um triz. O texto não estabelece uma reflexão perfurante sobre o problema. Reforça a percepção de que parece se acomodar em mostrar o trânsito entre os períodos sóbrios dos protagonistas e as suas persistentes ressacas. 

Em seu segundo trabalho de direção, Fabio Assunção (O Expresso do Pôr do Sol) procura evitar os clichês de bebedeira. Com competência, escapa dos riscos dos arroubos sentimentais rasteiros e sublinha a tensão advinda das mentiras, auto-enganos, meias-verdades, exasperação e a violência de quem se refugia na química. Ele implementa marcações que ora denotam a passividade dos personagens ora atiçam-nos a romper a imobilidade. A maneira como Mona e Donal transmite a dor de um casal apaixonado, mas que percebe o perigo de viver juntos, roça um tipo de emoção nunca grosseiro.

Os intérpretes nunca desocupam o palco, escolha que funciona tanto para materializar a sensação de aprisionamento dos personagens como a de escancarar o jogo teatral. Eles trocam de roupa à vista do público e assumem a função de contrarregras, movimentando os objetos cênicos para compor novos ambientes ao longo das nove cenas. Circulam por um espaço alargado – coxia e camarins são incorporados ao campo de atuação -, que retrata uma casa ampla com sala, cozinha e um quarto. Fazem-no com empenho e sensibilidade, ilustrando o percurso dramático de suas criaturas.

Carolina Mânica perambula com naturalidade e prostração por uma rota de otimismo que se desvia para uma desesperada auto-ilusão. Para a impulsiva Mona, beber lhe atribui uma identidade ao mesmo tempo em que a demole. O público, porém não deixa de vê-la como uma figura que, em declínio palpável, continua a ser ingênua e vulnerável. Daniel Alvim atrela ingredientes técnicos para compor um sujeito que, ao descer ao inferno, recorre a um naco de inteligência para compreender objetivamente a sua situação. Ambivalente, ele se equilibra num fio da navalha, alternando-se entre a crueldade e o encanto.

Embalado por uma envolvente trilha sonora de Egberto Gismonti, o autor destrava o sentido de que, ao invés da velhice e morte, a dependência do álcool pode selar o fim da existência. Em diálogo pungente, sem ponto de retorno, Mona argumenta que os seus três dias confessos de abstinência indicam ter se safado do círculo vicioso. Donal não pensa assim. Para ele, o amor ficou de vez dissonante. Trata-se de uma das sequências mais comoventes, justamente a que expõe Mona emocionalmente em frangalhos clamando por outra chance na vida.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Fábio Assunção)

 

Avaliação: Bom

 

Dias de Vinho e Rosas

Texto: Owen McCafferty

Direção: Fabio Assunção

Elenco: Carolina Mânica e Daniel Alvim

Estreou: 20/03/2015

Teatro Espaço Viga (Rua Capote Valente, 1323, Pinheiros. Fone: 3801-1843). Sexta, 21h30; sábado, 21h; domingo, 19h. Ingresso: R$ 30 e R$ 40. Até 28 de junho.

Comente este artigo!

Modo de visualização:

Style Sitting

Fonts

Layouts

Direction

Template Widths

px  %

px  %