EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: À Beira do Abismo Me Cresceram Asas (RJ)

As duas octogenárias que moram em um retiro para idosos são diferentes entre si, mas compartilham os mesmos sonhos, nostalgias e medos. Aos 80 anos, a meditativa Terezinha foi deixada ali pelos três filhos, após a morte do marido. A comunicativa Valdina, 86 anos, também se ressente de frágeis relações familiares fora daquele espaço. Se a introspecção de uma e a extroversão da outra eventualmente criam faíscas, os temperamentos díspares não as impediram de firmar, em longos anos de convívio, sólida amizade e recíproco companheirismo. Não bastasse, o tempo trouxe para elas a sabedoria de que devem simplificar a vida. Terezinha e Valdina descobriram também que as boas e más recordações, os amores, as perdas, as famílias, as reflexões em geral sobre a vida e a morte podem gerar novos significados para o que ainda resta nessa última etapa. Por isso, riem, choram, divertem-se, devaneiam. Sem azedumes, procuram extrair o melhor do cotidiano.

O fluído texto de Maitê Proença, urdido a partir de histórias reais garimpadas em asilos por Fernando Duarte, exala um tipo de simplicidade com o condão de comover, enternecer e até empolgar, mesmo sem se atrever a sair da zona de conforto do previsível. Dirigida por Maitê e Clarisse Derzié, sob supervisão de Amir Haddad, a montagem escorre sem atropelos, em ritmo adequado, e engata diálogos espirituosos, cenas de certeira empatia e uma atuação da dupla que, se não arrebatadora, revela-se convincente no retrato de duas mulheres em processo de releitura daquilo que viveram e ainda ansiam por viver. É até possível vislumbrar banalidades melodramáticas, nacos de pieguice e observar momentos típicos de uma sessão de autoajuda. A abordagem do material dramático, no entanto, trata de buscar algo além do discurso das receitas de superação.

A trama começa quando as duas atrizes, em lados opostos no palco, ajeitam os figurinos e finalizam a maquiagem. Estão no camarim ou no quarto? Na sequência, ambas atravessam um biombo diagonal de tecido translúcido já incorporadas de Terezinha (Maitê) e Valdina (Clarisse). E se dirigem a um repórter imaginário – ou ao público, subitamente na função dissimulada de jornalista? Desnecessário e discutível, porque não suscita novas acepções, o procedimento de aproximação visa acentuar a teatralidade e sugerir um jogo entre ficção e realidade.

A maior virtude na interpretação de Maitê Proença e Clarisse Derzié é evitar qualquer arremedo da velhice, tanto na fala quanta na gestualidade. Ambas se preocupam mais em reproduzir um estado de alma, uma visão de mundo. Com solos e duetos, contrapontos e convergências bem-vindas, elas se desnudam emocionalmente sem precisar curvar os corpos, sem forçar no andar cambaleante, confundir-se nos relatos, pedir para que a outra fale mais alto por não estar escutando bem. No palco, há completa cumplicidade e conivência entre as duas atrizes. Maitê ativa uma personagem que, embora com mágoas à flor da pele, é sensível, bem humorada e capaz de enveredar por diversos temas com argúcia e raciocínio inteligente. Na pele de uma senhora que adora falar de sexo, Clarisse impregna seu papel de entusiasmo e vivacidade. De jeitos específicos, ora fogem do passado ora enfrentam a caminhada com bravura. Lidam com a passagem do tempo com redobrada disposição. Habilmente, elas se equilibram entre dilemas, reminiscências e angústias naturais da idade avançada.

O cenário, de Cristina Novaes, desenha um ambiente clean e impertubável. Com assinatura de Beth Filipecki, os figurinos são caracterizados pelo excesso de detalhes, da modelagem à textura e estampas. São tão sofisticados que parecem inadequados às personalidades das personagens e às circunstâncias da história. Neste espetáculo leve, melancolicamente poético, sem conflitos densos, emerge um olhar sobre a vida e a morte, de como o tempo modela a nossa existência. É um equívoco enxergar nessa peça o drama de duas mulheres abandonadas em um asilo. Em uma das cenas, uma personagem explica que na infância a vida parece grande e, repentinamente, percebemos que ela está circunscrita a um jardim e a um quartinho. Em outra passagem, parafraseando a cantora francesa Edith Piaf, uma delas afirma que a velhice não é feita para os covardes. É um painel afetuoso sobre a condição humana. O desfecho, embalado em envolvente número de dança, sinaliza que a vida é uma grande festa, mas com hora certa para acabar.   

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Bom

 

À Beira do Abismo Me Cresceram Asas

Texto: Maitê Proença

Direção: Maitê Proença e Clarisse Derzié

Supervisão: Amir Haddad

Elenco: Maitê Proença e Clarisse Derzié                                                                                   

Estreou: 15/06/2013                                                                                                                      

Teatro Fashion Mall (Estrada da Gávea, 899, 2º Piso, São Conrado. Fone: 21. 2111-4444). Sexta e sábado, 21h; domingo, 20h. Ingresso: R$ 70 e R$ 80. Até 08 de junho de 2014. 

 

 

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