Cinema: Deus da Carnificina
- Criado em Terça, 31 Julho 2012 18:59
- Escrito por Edgar Olimpio de Souza
- Acessos: 5531
Roman Polanski é cineasta afeito a espaços exíguos. Um superficial exame em sua filmografia já aponta para esta predileção por ambientes restritivos, que não raro desempenham função dramática específica. O apartamento é fundamental em O Bebê de Rosemary, assim como a moradia da instável protagonista de Repulsa ao Sexo e a residência que serve de cenário basilar para O Escritor Fantasma. Seguindo a linha, neste seu mais recente longa quase toda ação transcorre num pequeno apartamento, cuja força delimitadora das ações e reações em eminente choque é significativa. É uma jaula repleta de portas e janelas não transpostas.
Como base dos créditos iniciais, há um plano revelador de certa celeuma ordinária entre garotos. Tal evento desencadeia a necessidade de uma conversa conciliatória entre os responsáveis pelos adolescentes. Michael e Penélope (John C. Reilly e Jodie Foster), pais do menino agredido, recebem em sua casa os progenitores do agressor, Alan e Nancy (Christoph Waltz e Kate Winslet). À medida que as gentilezas iniciais vão dando lugar a pequenas alfinetadas, a aparente calmaria se transforma em repetidos ataques, que inevitavelmente abrem fissuras numa relação até então bastante diplomática.
Em registro tragicômico, o verborrágico filme esfrega na cara do espectador constantemente “o que somos enquanto espécie”. E só não cede a quaisquer inclinações moralistas porque preenche a instabilidade com um humor sutil, amplificando alguns desdobramentos pela via do patético. O embate casal x casal, motivado inicialmente pela briga dos filhos, logo se vê menor ante expedientes mais, digamos, reveladores. Como a ética (ou a falta dela) de quem representa infratores, o pseudo-engajamento de alguns preocupados com a situação africana, a inércia de homens, que escondem temperamento explosivo sob a aparente calma, e mulheres que precisam de algumas doses para dizer o que pensam.
Aqui, são evidentes as habilidades do roteiro e da montagem, promotores de um fino equilíbrio no fluxo narrativo. Certamente um cineasta menos competente sucumbiria à tentação de dar mais relevo a esta ou aquela figura. Esta assertividade diretiva se observa igualmente na escolha nada aleatória de dois americanos (Reilly e Jodie Foster) para interpretar um casal atolado em sua própria mediocridade, e outros dois europeus para dar vida à dupla de bem sucedidos profissionalmente e carentes de humanismo. Além de genuíno filme de ator, rótulo possível graças ao desempenho brilhante dos quatro protagonistas, o longa também deve muito à direção coesa e incisiva de Polanski.
Ainda envolto em problemas judiciais por conta de um crime cometido no passado, pelo qual não pode mais pisar em solo americano, o cineasta polonês parece cada vez mais arguto em suas observações, ciente de que ao artista cabe refletir acerca da sociedade que o circunda conforme seu ideário motriz. Ele conhece como ninguém os que lhe apontam o dedo condenatório, guardadores de seus próprios pecados cotidianos a sete chaves. O apego aos objetos (celular, bolsa, livros de arte, charutos e bebidas) que os personagens exibem, por exemplo, evidencia aspectos definidores desta nossa sociedade ensimesmada, viciada em projetar nos artefatos seu sustentáculo. Entre vomitar nas tulipas da sala, largar um hamster à própria sorte, defender interesses escusos ou esconder-se numa falácia, não há o que exaltar ou condenar, não há partidos a tomar, pois a razão (ou a falta dela) habita todos.
(Marcelo Muller, do site Papo de Cinema)
(Foto Divulgação)
Deus da Carnificina
Título Original: Carnage (França/Alemanha/Polônia/Espanha, 2011)
Gênero: Drama, 80 min
Direção: Roman Polanski
Elenco: Jodie Foster, Kate Winslet, Christoph Waltz e John C. Reilly
Estreou: 08/06/2012
Veja trailer do filme:
_
Baú
- ► 2020 (1)
- ► 2019 (1)
- ► 2016 (8)
- ► 2015 (28)
- ► 2014 (25)
- ► 2013 (40)
- ► 2012 (49)
- ► 2011 (48)
Visitação
Usuários Online
Temos 25 visitantes e Nenhum membro online