EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Nossa Cidade

Ao escrever a peça, em 1938, pela qual conquistou o prestigiado prêmio Pulitzer, o dramaturgo americano Thornton Wilder (1898-1975) partiu da premissa de que o microcosmo de uma pequena cidade, com seus valores, significados e personagens arquetípicos, poderia alcançar a dimensão da existência humana. O texto, que recebeu montagem interessante e ousada de Antunes Filhos e seu Grupo de Teatro Macunaíma, trata de acontecimentos triviais em um fictício vilarejo classe média estadunidense, Grovers Corner, no início do século passado. Entre os principais personagens, estão as famílias Gibbs e Webb, cujos filhos adolescentes se enamoram, um médico que atende toda a comunidade, o regente do coral, o entregador de jornal, o editor de um jornal local. Eles protagonizam dramas, intrigas, situações tragicômicas, rotinas evocativas da vida cotidiana. O público assiste ao dia a dia do homem comum, flagrado em seus sonhos, falhas, descobertas, relações interpessoais e seus rituais de passagem. Na função de narrador, que quebra a quarta parede e se dirige diretamente à platéia, um diretor de cena indica o tempo, descreve os ambientes, acompanha os habitantes do lugar, costura e pontua os eventos em curso. Onisciente e interativo, o personagem é assumido com pulso e registros de dramaticidade pelo ator Leonardo Ventura, preso provocativamente a uma cadeira de rodas. 

Se originalmente a trama se desdobra em três atos, nesta encenação a sequência do casamento dos jovens George Gibbs (Lucas Rodrigues, em desempenho correto) e Emily Webb (Sheila Faermann, transpirando vivacidade) é suprimida. A maior virtude, no entanto, é que a força do texto continuou intacta e não perdeu o fio da lógica. Em vez de acentuar a estrutura dramatúrgica de crônica de costumes, Antunes Filho optou por navegar do naturalismo para o épico, politizar o enredo e oferecer novas perspectivas de compreensão. Por exemplo: rodopiando de forma debochada, a figura da Estátua da Liberdade direciona um facho de luz para o mundo, numa crítica sutil à postura belicista dos Estados Unidos e à mentalidade que a corrobora. Ao longo do espetáculo, cenas evidenciam o orgulho nacionalista, o poder de ordem unida, e o chamado american way of life, o sonho americano da terra prometida, e não da libertação do homem. Na leitura emanada da montagem, que não chega a ir ao centro da questão, tal modelo social de vida teria contaminado irreversivelmente a época atual. Além do esforço em teatralizar uma das facetas da política contemporânea, o diretor promoveu outras mudanças. Caso do narrador, que ganhou uma atitude mais ativa e invasiva ao misturar experiências alheias às suas, além de interpretar criticamente o universo de Grovers Corner.

Há uma cena extraordinária em que Emily, inconformada com o seu destino, aspira evadir-se do círculo dos mortos para retornar à vida. As suas desventuras e a espera no cemitério das pessoas que já partiram parecem sinalizar uma espécie de resignação do homem diante da crise, de um tempo de decadência. Não é por acaso que um personagem suicida vive proferindo um discurso contra o espírito beligerante do mundo. Apoiado apenas em cortinas pretas, painéis pintados, mesa e cadeiras, ambiente que simula uma sala de ensaios, o cenário minimalista é apenas funcional. São as palavras e ações que preenchem o palco. Nem todo o elenco desembrulha uma performance eficiente e persuasiva. O grupo é mesclado por jovens atores ainda sem peso dramático, mas com bom domínio da técnica vocal ressonante, e intérpretes mais experientes, como Mateus Carrieri (Sr.Webb) e Antonio de Campos (professor Willard Schunemann), ambos satisfatórios em seus papéis. Mesmo sem brilhos individuais, todos respondem em sintonia fina ao desafio de encenar uma trama aparentemente fácil, de enganosa linguagem banal e personagens dotados de complexidades e intenções diferentes. A atenção do público é cativada desde o primeiro minuto. Sem apelo sentimental ou estratagemas emocionais, a peça constrói um raciocínio sobre a humanidade e não de qualquer tipo de ser humano. Sublinha o conceito de que a vida é breve e fugaz. E produz uma reflexão política necessária, que se soma ao olhar nada condescendente a respeito da origem e dos destinos do homem.

 (Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Emidio Luisi)

 

Avaliação: Ótimo

 

Nossa Cidade

 

Texto: Thornton Wilder 

Direção: Antunes Filho

Elenco: Leonardo Ventura, Sheila Faermann, Mateus Carrieri, Luiza Lemmertz e outros.

Estreou: 04/10/2013

Sesc Consolação (Rua Doutor Vila Nova, 245, Vila Buarque. Fone:  3234-3000). Sexta e sábado, 21h; domingo, 18h. Ingresso: R$ 6,40 a R$ 32. Até 30 de março de 2014.      

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