EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Uma Flauta Mágica

Uma ópera sem cenários, orquestra e efeitos cênicos, de figurinos neutros, na contramão da grandiloqüência lírica do gênero. A livre adaptação da obra de Mozart, uma das mais famosas de todos os tempos, recebeu um depurado tratamento formal de Peter Brook, um dos maiores nomes do teatro mundial. O diretor inglês subverteu cânones e características típicas e, embora reverente ao libreto, pinçou apenas a sua essência. Não há aquelas complicadas e habituais trocas de cenários que demandam uma ópera. Sua reinterpretação radical supera com habilidade, mas não sem algumas perdas, a longa duração da ópera, em torno de 270 minutos, reduzindo-a para apenas um terço de duração. No palco vazio, múltiplas varas de bambu, sutil e sugestivamente iluminadas, funcionam como muros, árvores, celas, obstáculos e armas e ambientam bosques e reinos místicos. Posicionado no canto, um piano de cauda pilotado por Franck Krawczyk dá vida sonora à esta estilizada versão camerística da bela e hipnotizante música do compositor austríaco, que aqui parecem soar como cantigas infantis.    

Fiel ao rigor da síntese, o encenador preservou a magia, o humor, a leveza narrativa e a ternura de uma trama com hálito de conto de fadas. Feérica, a história é movimentada por dois casais, o fanfarrão caçador de pássaros Papageno e seu duplo Papagena, o príncipe Tamino e sua amada Pamina. São dois contrapontos. Enquanto o primeiro par simboliza o homem comum, o segundo evoca o homem iniciado na sabedoria. O lado cômico está no comportamento de ambos os pólos diante das adversidades, o que rende momentos cômicos e justifica o apelo popular dessa ópera. Em torno deles gravitam a ambiciosa Rainha da Noite, o poderoso sacerdote Sarastro e o obcecado serviçal Monostatos. A flauta mágica do título é representada por um galho que “flutua” entre as mãos e é capaz de mudar o estado de espírito dos seres vivos que a escutam – todos os truques de magia do espetáculo levam a assinatura do brasileiro Célio Amino. Há dois atores (William Nadylam e Abdou Ouologuem) que condensam uma série de figuras do texto original, como as Três Damas da Rainha, os Três Gênios da Floresta e os guardiões do templo. Eles não só manipulam os objetos cênicos, como induzem ao jogo, orientam e guiam os protagonistas. Quando um dos personagens centrais ameaça suicidar-se, é convencido da inutilidade de seu gesto por um desses “espíritos” do lugar.  De pés descalços, recurso para evitar ruídos desnecessários, o elenco rotativo de atores e cantores jovens preenche a cena com energia, técnica apurada e força coletiva, num tipo de interpretação que explora as palavras e sublinha as nuances dos personagens. O papel de Papageno, por exemplo, é vivido com entusiasmo pelo barítono Virgile Frannais, da mesma forma que a soprano Betsabée Hass desembrulha carisma na pele de Papagena.

Ao transgredir conscientemente a linguagem operística em favor da estética teatral minimalista, a montagem acaba perdendo parcialmente a dramaticidade que a obra de Mozart continha. A redução da carga emocional, no entanto, é compensada pela intensa concentração da ação. Os diálogos em francês e o canto em alemão chegam a afetar significados, especialmente se levar em conta a ausência de uma orquestra e seu repertório de instrumentos. De alguma forma o equilíbrio se rompe e leva a encenação em alguns momentos a escapar de seu eixo. Há personagens, como a Rainha da Noite e Pamina, que não oferecem impacto dramático especial e, por vezes, a diferença técnica entre atores e cantores na interpretação dilata-se perigosamente. São percalços, no entanto, que não diminuem o rompante de um espetáculo que transcorre transpirando emoção e beleza, como poucas vezes uma proposta do tipo conseguiu.

(Edgar Olimpio de Souza)

(Foto Pascal Victor)

 

Avaliação: Ótimo

 

Uma Flauta Mágica

Ópera: Wolfgang Amadeus Mozart                                                                           

Adaptação: Peter Brook, Franck Krawczyk e Marie-Hélène Estienne                         

Direção: Peter Brook                                                                                                         

Elenco: William Nadylam, Abdou Ouologuem, Roger Padullés, Virgile Frannais e outros                                                                                                                         

Temporada: Rio de Janeiro (7 a 9 de setembro), São Paulo (14 a 17) e Porto Alegre (21 a 23)

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