Teatro: Cássia Eller - O Musical

Não foi com fecho de ouro que se encerrou a trilogia de musicais biográficos pilotada por João Fonseca. Se os espetáculos sobre Tim Maia e Cazuza estavam amparados em roteiros bem alinhavados e interpretações intensas dos respectivos protagonistas, esta montagem é um tanto insatisfatória. Há virtudes visíveis nesta homenagem à cantora Cássia Eller (1962-2001), como o cirúrgico repertório escolhido, mas os defeitos insistem em prejudicar a encenação, como o ritmo claudicante, em especial na primeira metade, e o desempenho tecnicamente limitado de Tacy de Campos na composição da figura central.   

A pouco inspirada trama concebida por Patrícia Andrade segue uma fórmula repisada em alguns musicais brasileiros que celebram artistas brasileiros. Conta-se a vida e a carreira do homenageado e se busca um nexo entre os episódios retratados com as músicas selecionadas. Ou seja, as canções servem para comentar e, se não existem vínculos explícitos, são apenas reproduzidas. O roteiro se esforça em radiografar a trajetória da artista, notabilizada pela voz grave, comportamento introspectivo e a habilidade em passear com versatilidade por diversos estilos musicais e pela obra de grandes nomes nacionais (Renato Russo, Caetano Veloso, Cazuza, Nando Reis) e internacionais (Janis Joplin, John Lennon e Nirvana). Em uma superfície confortável, a peça mostra seus relacionamentos homossexuais, a passagem pelo teatro, os embates com a indústria fonográfica, o nascimento do filho e o uso de drogas lícitas e proibidas. Todos os acontecimentos pessoais e profissionais são enfileirados cronologicamente. Fonseca, que dividiu a direção com Vinicius Arneiro, tenta consolidar um registro intimista, porém esbarra num enredo convencional e didático. 

Se Tacy de Campos, conhecida por fazer cover de Cássia Eller em bares, impressiona na execução das canções, exibindo apurada técnica vocal e emulando o gestual e trejeitos dela, seu rendimento despenca na parte dramática. Por conta disso, é possível notar que a peça reserva relativamente poucas falas à ela. Isso não a impede de se agigantar em alguns momentos, como na hora em que canta Do Lado Avesso de costas para a platéia e se vira apenas ao interpretar Lanterna dos Afogados, com os seios desnudos. A cantora tornada atriz também se ilumina nas canções Malandragem e ECT.

O elenco reúne ainda mais seis atores, em rodízio por diversos papéis. Com ímpeto e vivacidade, Evelyn Castro encarna a mãe e arrebata desfiando Noite do Meu Bem, de Dolores Duran, em bom dueto com Tacy. Na pele de Nando Reis, Emerson Espíndola está tão natural que parece o próprio em cena. Eline Porto convence sem artifícios fáceis no papel de Maria Eugênia Martins, companheira da intérprete por catorze anos. O trio Glicério Rosário, Thainá Gallo e Jana Figarella ostenta rendimento correto e seguro.

O cenário equivocado de Nello Marrese e Natália Lana, uma cobertura de plástico negro que parece ambientar uma caverna sombria, deprime a encenação. A boa iluminação de Marcelo Quinderé desenha os necessários climas emocionais. Outro acerto foi a escolha para a direção musical de Lan Lan (percussionista Elaine Moreira), que namorou Cássia Eller, e Fernando Nunes (baixista). Ambos tocaram ao seu lado e compartilharam de sua intimidade. Composta por cinco músicos, a banda é excelente e desfila vigor ao longo das 34 músicas do roteiro. Os figurinos, de Marília Carneiro e Lydia Quintaes, revelam bom gosto e remetem aos anos 1990. Em que pesem as restrições, a montagem vale ser conferida por celebrar uma artista que, em meio a uma indústria fonográfica cada vez mais homogeneizada e impessoal, afirmou a sua singularidade. 

(Vinicio Angelici - O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Divulgação)

Avaliação: Bom  

Cássia Eller – O Musical

Texto: Patrícia Andrade

Direção: João Fonseca e Vinicius Armeiro

Elenco: Tacy de Campos, Eline Porto, Emerson Espíndola e outros

Estreou: 19/09/2014

Teatro das Artes (Shopping Center Eldorado. Avenida Rebouças, 3.970, Pinheiros. Fone: 3034-0075). Quinta e sexta, 21h30; sábado, 21h; domingo, 20h. Ingressos: R$ 50 a R$ 100. Até 02 de agosto. 

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