EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Ato a Quatro

A lenta dissolução de um casamento e seus desdobramentos é a espinha dorsal do texto da dramaturga inglesa Jane Bodie, que recebeu atrativa montagem guiada por Bruno Perillo. Curiosamente, a erosão do relacionamento não é escancarada e acontece em meio a trocas de insultos e ressentimentos, como muitas vezes se dá nessas circunstâncias. O desgaste emocional se insinua discretamente, pelas frestas. Os primeiros minutos do espetáculo, aliás, induzem o público a acreditar que anda tudo às maravilhas com o jovem casal. A ex-atriz Alice, hoje enfermeira particular, auxilia Tom a treinar suas falas, preparando-o para subir ao palco dali a alguns dias. Por sua vez, ela conta histórias de seu local de trabalho e tem a atenção do marido. Alguma coisa, no entanto, ficou fora do lugar depois que ela deixou o teatro para trás. Na verdade, não há mais tantas afinidades entre os dois e o convívio anda efetivamente morno. Mas, convenientemente, ambos continuam vivendo sob o mesmo teto. Em uma sequência emblemática, tentam resgatar o passado ao abrir uma garrafa de vinho. Decepcionados, constatam que o sabor já não é mais o mesmo de antigamente.

Aos poucos, a deterioração da relação adquire textura e conteúdo. Tom está ensaiando uma peça de teatro na qual interpreta o amante da personagem de Natasha, uma atriz cheia de encantos. Como passam muito tempo juntos, o flerte é inevitável e estoura a infidelidade.  Simultaneamente, Alice começa a se envolver com Jack, o esquisito e obcecado colega de trabalho que cultiva o hábito de segui-la até sua casa.       

O jogo de tensão, apreensão e inquietação que enreda os novos pares abastece de interesse uma trama que, olhada com lupa, não deixa de ser banal e recorrente na dramaturgia. Isso não apequena a história, porque o que importa aqui são os personagens e suas incongruências. Se não envereda por reflexão profunda ao tratar das relações modernas, a autora tempera o tema com fatias de mordacidade e complacência. Com boa carpintaria e teatralidade, despida de clichês românticos, a peça exala calor, humanidade e um naturalismo avesso ao praticado, por exemplo, nas telenovelas.    

A encenação de Perillo se submete ao caráter fragmentário do texto, costurando com perspicácia as 25 cenas curtas e intercaladas. O cenário intencionalmente frio e impessoal, de Chris Aizner, é preenchido por caixas, gavetas, almofadas, mesa, espelho, cadeiras, cama e outros objetos. O mobiliário ilustra os diversos ambientes do enredo, como o lar de Tom e Alice, o quarto de Natasha, a casa de Jack, o local de trabalho de Alice. A atulhada cenografia, que facilmente poderia atravancar a movimentação pelo espaço, não conspira contra o ritmo e fluidez do espetáculo. As marcações são precisas, quase imperceptíveis. Outro mérito da direção é evitar artificialismos. Como ninguém sai do palco, o personagem que está momentaneamente fora do foco é flagrado em ações comezinhas – Natasha, por exemplo, faz exercícios corporais. Em alguns momentos, os próprios atores empunham lanternas e iluminam as cenas. Há um claro apelo ao voyeurismo do público e imagens são projetadas ao fundo na parede, no piso e no corpo dos intérpretes. Certos maneirismos na direção e no estilo de interpretação não ofuscam o viço da montagem.  

Convincente e desembaraçado, o elenco entrega os diálogos com espontaneidade. Nicole Cordery injeta tristeza sutil no olhar de Alice, uma mulher que experimenta diversos graus de emoção e chega a se apaixonar por seu perseguidor. No papel de Tom, Luciano Gatti exprime os sentimentos de confusão e ansiedade de alguém em processo de rupturas. Edu Guimarães se safa com segurança e nuance da difícil incumbência de encarnar Jack, um sujeito de comportamento estranho que precisa passar verossimilhança na hora de formar um casal padrão com Alice. Nessa segunda temporada, Carolina Mânica substitui Joana Dória na pele da insinuante Natasha, espécie de predadora sexual. Sua atuação não esbarra no lugar comum. Ela imprime carga erótica e sensualidade na medida certa, transformando-a numa figura convincentemente desencaminhadora, para quem sexo e amor são assuntos bem diferentes.

O texto desliza sem apresentar grandes verdades, mais brincando de esconder do que revelar sobre os quatro personagens e suas três relações amorosas. A sugestão de que a vida imita a arte, como acena a dramaturga por meio do metateatro, soa artificiosa. A peça funciona melhor quando arrisca a defender a tese de que os seres humanos são incapazes de ser fiéis. Isso não significa procurar necessariamente sexo ocasional, caso de Natasha. Alice, por exemplo, está em busca de ser amada. O que emana é a presunção de que todo relacionamento tem prazo de validade e ninguém escapa do frenesi do desejo de mudanças. 

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

(Foto Carla Trevizani)

 

Avaliação: Bom

 

Ato a Quatro

Texto: Jane Bodie

Direção: Bruno Perillo

Elenco: Edu Guimarães, Carolina Mânica, Luciano Gatti e Nicole Cordery.

Estreou: 27/02/2015

Teatro Eva Herz (Avenida Paulista, 2073, Conjunto Nacional – Jardins. Fone: 3170-4059). Quarta e quinta, 21h. R$ 50. Até 8 de setembro. 

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