EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: O Grande Circo Místico

Marco na história da companhia de dança curitibana Ballet do Teatro de Guaíra (1983) e da Música Popular Brasileira, a célebre e sofisticada trilha composta por Edu Lobo e Chico Buarque, a partir do texto homônimo do poeta alagoano Jorge de Lima (1893-1953), ganhou dramaturgia própria. Tecida por Newton Moreno e Alessandro Toller, a peça combina teatro, circo, dança, poesia e música num espetáculo que, dirigido por João Fonseca, tem o condão de agradar distintas platéias. Inspirados neste poema escrito em 1938, durante a ditadura do Estado Novo, os autores desenvolveram uma história que acompanha o surpreendente romance entre um médico e uma bailarina de circo em meio a uma guerra. Ao folhetinesco enredo, permeado por novos conflitos, situações, personagens e contexto político, foram acrescidas quatro novas canções da dupla de compositores (Valsa Brasileira, Salmo, Acalanto e Abandono). 

A trama evolui a partir de dois eixos: a paixão entre Frederico e Beatriz, subitamente interrompida quando ele parte para a guerra, e o lento definhamento do Grande Circo Knieps em sua jornada pelo mundo. Também vítima da beligerância, ele vai perdendo os artistas, experimenta o declínio de seu público e passa a marchar sem rumo. O desafio da montagem, que evita verticalizar os clichês do melodrama, o que talvez pudesse lhe abrir outras perspectivas, é perambular entre o universo idílico e encantador do circo e o ambiente selvagem e cruel de uma guerra. A encenação sai ilesa porque o texto, livre para escancarar as mazelas do conflito e seus efeitos colaterais, como a fome, a loucura, a violência e até assédio sexual, não deixa de prestar tributo ao amor e reverência à arte circense.

Diante de uma história alongada, que capturaria mais espessura se desidratasse algumas passagens, Fonseca consumou a narrativa com segurança e equilíbrio. No primeiro ato, pontuado pelo cotidiano do circo e o flerte entre os dois amantes, o clima é predominantemente lúdico.  Já o segundo, fincado em reviravoltas e os eventos em torno das filhas gêmeas, a atmosfera é mais melancólica. A direção também articula com mãos firmes, no tecido dramatúrgico, o trânsito dos personagens pela cena e o enxerto das músicas – em algumas passagens, no entanto, a interposição entre canção e diálogo sucede de forma convencional e previsível. Isso não atenua, felizmente, os efeitos visuais da encenação tampouco prejudica o estofo dramático do enredo.

Se o elenco não chega a brilhar na interpretação, a força coletiva emanada garante a qualidade. O grupo empenha-se para entregar um trabalho vibrante, que requer desenvoltura vocal para assumir as partituras difíceis, concentração nas coreografias e domínio das técnicas circenses. Fernando Eiras desenha com sensibilidade o administrador do circo, o sujeito que tem sua emoção devastada pela eclosão da guerra e o desmoronamento do circo. Na pele da Mulher Barbada, Ana Baird convence pelo desempenho dinâmico. Letícia Colin, a bailarina Beatriz, é uma figura delicada no palco, com momentos marcantes como aquela em que contracena com Leo Abel, este impressionante ao personificar um cavalo.

Para compor Frederico, o ator Gabriel Stauffer entremeia recato e afeto. É dele a dolorosa cena em que, ao interpretar O Circo Místico, faz malabarismos com granadas rodeado por soldados feridos. Outra presença forte é a de Reiner Tenente, um clown que faz rir e é capaz de comover ao cantar A Valsa dos Clowns no exato instante em que é torturado. A Charlotte de Isabel Lobo (filha de Edu Lobo), a noiva de Frederico desesperada pelo abandono, exala a chama de uma vilã sem truques fáceis. Paula Flaibann, como Lily Braun, também tem boa participação. Natasha Jascalevich exibe maestria nos números de contorcionismo. 

Toda a encenação transcorre em um cenário barroco, assinado por Nello Marrese, traduzido por grande lona modular que se modifica conforme o desenrolar dos acontecimentos - o Knieps dá vez a trincheiras de luta, a um acampamento médico, a um novo circo apenas com poucos e inventivos elementos. Os cinqüenta figurinos criados por Carol Lobato revelam graus de apuro em sua composição. A direção musical de Ernani Maletta é cuidadosa. As coreografias de Tania Nardini são inseridas na trama sem artificialismo.  

A aparente simplicidade das cenas e a beleza da trilha musical impregnam a montagem de impacto poético e camadas de emoção. Não é um musical que escorre em leito perfeito, mas seduz na medida em que conta uma história sincera e de fácil apelo dramático. Há um sutil equilíbrio entre conteúdo e emoção. Momentos como a da trupe cantando à capela são capazes de amolecer qualquer espectador. Nesta saga de encontro, desencontro e reencontro amoroso, o renascimento de um circo das cinzas dissemina o conceito de que a arte e paixão podem se tornar armas poderosas contra a loucura e a barbárie.  

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Leonardo Aversa)

 

Avaliação: Bom

 

O Grande Circo Místico

Texto: Newton Moreno e Alessandro Toller 

Direção: João Fonseca

Direção Musical: Ernani Maletta

Elenco: Fernando Eiras, Letícia Colin, Isabel Lobo, Ana Baird e outros.

Estreou: 14 /08/ 2014                                                                 

Theatro Net SP (Rua Olimpíadas, 360, Vila Olímpia. Fone: 4003-1212).  Quinta e sexta, 21h; sábado, 21h30; domingo, 20h. Ingressos: R$ 50 a R$ 150. Até 28 de setembro.

 

 

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