EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Deus da Carnificina

Na demolidora peça da premiada dramaturga francesa Yasmina Reza, dois casais se reúnem para supostamente discutirem de forma amigável um episódio de agressividade envolvendo os filhos pequenos de cada um. São adultos, que estão ali para defendê-los segundo sua ótica enviesada. Deveriam, portanto, servir de exemplo para as crianças, mas perdem a compostura e se comportam de forma estupidamente infantil. O título, que pode espantar o público, trata desse retorno do ser humano à selvageria e funciona para ilustrar à perfeição uma trama onde pessoas dizem coisas terríveis um na cara do outro e promovem uma chacina verbal. Com aparência de comédia bulevar e conteúdo dramático, o espetáculo cumpre bem-sucedida temporada. O diretor Emílio de Mello não inventa firulas e deixa entrever o que se esconde debaixo do verniz de civilidade. Conta com um elenco sintonizado com a proposta, que nunca deixa o ritmo refugar. A montagem capta e expressa os diversos climas da ação e as nuances de cada personagem. Nada é desperdiçado, até mesmo falar ao celular rende momentos cômicos e constrangedores. Assim como uma sequência, cheia de significados, em que um dos presentes vomita sobre livros de arte. A autora revela-se hábil em radiografar a maldade e a crueldade camufladas em trejeitos e etiquetas burgueses, em iluminar seres humanos que gradativamente vão perdendo normas e convenções sociais e regridem à condição primitiva. São as máscaras que caem, sob o efeito de algumas doses de álcool, como a dos casais de Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?,de Edward Albee, ou a dos refinados representantes da burguesia que não conseguem sair da mansão em O Anjo Exterminador, clássico do cineasta espanhol Luis Buñuel. Os diálogos de Reza são bem construídos. Não só desenham as assimetrias profissionais e culturais entre os dois casais, como as diferenças dentro de suas próprias relações. O que se vê, embalado por uma comicidade sarcástica, com rompantes de catarse, são cenas que alternam insultos e ofensas dirigidos ao outro com lavagem de roupa suja conjugal. Tudo parece uma tensa luta de boxe, com oponentes que não trocam socos, mas verdades e neuroses reprimidas. Numa das cenas mais engraçadas da montagem, um personagem vira-se para sua mulher e pede para ela se acalmar. “Não vamos fazer como o outro casal, que está desabando à nossa frente”, implora, num alheamento ou cinismo perturbador.   

O elenco entrega desempenhos inspirados. Paulo Betti interpreta um cínico e escorregadio advogado que tenta acobertar uma empresa farmacêutica acusada de comercializar remédio nocivo à saúde. Toda a hora o seu celular toca, obrigando-o a interromper a reunião – ou pugilato - em andamento. Em atuação de gala, o ator dá veracidade a uma figura que se sai melhor defendendo seus clientes que na educação do filho. Com desempenho luminoso, Orã Figueiredo encarna um atacadista meio bronco, aparentemente sensível, porém, capaz de abandonar na rua o hamster de estimação da filha. Deborah Evelyn esbanja talento como a mulher arrogante e obsessiva pelas causas sociais da África, que em determinados instantes parece inclinada para a agressão física. Júlia Lemmertez exercita matizes ao viver uma personagem infeliz no casamento, de estômago sensível, que se exaspera aos poucos. O cenário, de Flávio Graff, é uma mesa feita com peças coloridas de lego, metáfora do universo infantilizado em que afundam os casais e do jogo de construção e desconstrução ali exposto. No texto, os personagens parecem estar num beco sem saída e a encenação acha o tom exato entre a sátira e a farsa ao retratar a animalidade humana. Reza escancara no palco várias mentiras. Uma delas, a de que necessariamente os pais amam os seus filhos.  

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Guga Melgar)

 

Avaliação: Ótimo

 

Deus da Carnificina                                                                                                            

Texto: Yasmina Reza                                                                                                                                       

Direção: Emílio de Mello                                                                                                     

Elenco: Deborah Evelyn, Júlia Lemmertz, Orã Figueiredo e Paulo Betti                                            

Estreou: 15/04/2011                                                                                                                 

Teatro Sérgio Cardoso (Rua Rui Barbosa, 153, Bela Vista. Fone: 3288-0136). Sexta, 21h30; sábado, 21h; domingo, 18h. Ingresso: R$ 40. Até 05 de maio.  

 




 

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