EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

  • Font size:
  • Decrease
  • Reset
  • Increase

O declínio do império dos super-heróis

E se o Homem Aranha, o Hulk, a Mulher Maravilha e o Capitão América se aposentassem de suas atividades heróicas? Como seria a vida na Terceira Idade desses super-heróis, que sempre foram invejados por reunirem virtudes e habilidades extra-humanas? No filme The Dark Knight(2008), Batman pronunciou que ou se morre como herói ou vive-se o bastante para se tornar o vilão. Para o artista plástico e ilustrador italiano Donald Soffritti, o herói pode não se tornar necessariamente um vilão, mas corre o sério risco de virar um tipo gordo, preguiçoso e decadente.

Ele mostrou uma nova realidade existencial dessas figuras especiais no curioso livro Superheroes Decadence (2008), uma galeria de quarenta heróis e vilões do universo norte-americano de quadrinhos retratados em pleno declínio, meio século de vida depois. Visceral, a sua obra demole o mito do modelo de perfeição que cerca os super-heróis. Da mesma forma que qualquer ser humano normal, estes caras que vivem arriscando as suas peles para salvar o mundo também estão sujeitos a enfrentar dificuldades básicas da velhice, cair num estado de ócio, perder a forma atlética, cultivar hábitos não saudáveis e praticar ações patéticas. Há muito mais pontos fracos neles do que é contado e exposto nas histórias. 

A dupla dinâmica (foto à direita), por exemplo, trocou o batmóvel pela batcadeira. Batman, o cadeirante, tornou-se um velho que retrocedeu às brincadeiras infantis. Envolvido por um cobertor e por um gato assustado entre as pernas, o homem-morcego segura um balão infantil do Mickey Mouse e é empurrado sofregamente pelo gorducho Robin, que parece prestes a sofrer um infarto. O Capitão América, rendido ao sedentarismo, trocou o escudo pelos vícios de consumo típicos da sociedade norte-americana, como hambúrger, batata frita, refrigerante cola e até gadgets - percebe-se este último pelo iPhone 3G preso na cintura. De super-herói, só restou o uniforme.

O raivoso Wolverine se entregou ao divã na idade avançada. Em crise existencial, narcísica ou de mimo, acabou por detonar o consultório com as próprias garras. Frustrado, já não consegue cortar tudo a sua volta. O terapeuta arrumou uma saída simplória para bloquear o ataque desse valente baixinho – grudou rolhas nas pontas das suas lâminas. O Homem-Aranha exibe aparência sofrível. Vestindo uma fralda geriátrica, mal consegue permanecer de pé. Em vez de teia, o que consegue lançar é o fluído do soro.

Fluído gasoso. Um dos heróis mais poderosos, Superman (foto à esquerda) foi rendido não à criptonita, mas ao tabaco. O filho de Jor-El está praticamente careca. De super mesmo, só a sua pança larga. A Mulher Maravilha também é uma senhora acima do peso e, como o colega, viciada em tabaco. O laço encantado ficou resumido à coleira, que esgana o pobre cãozinho. O que de maravilha sobrou dela? Talvez a tentativa de um flerte sedutor.

Pobre Demolidor, sua sensitividade já não é a mesma. Está totalmente dependente do cão guia. Do demônio desafiador, sobrou um ser esquelético de pancinha e de boca murcha. Um diabrete frágil. Mais sorte teve o Homem de Ferro, que aparenta estar mais feliz. Tony Stark, o playboy milionário, permanece um bon vivant. Gordo, mas de bem com a vida. Na sua partida de golfe, faz uso do charuto cubano e arrasta uma bateria externa adaptada ao esporte, mesmo que de maneira inconsistente.

Criatura raivosa, o incrível Hulk (foto à direita) tornou-se uma criança dengosa. Basta o mimo de um sorvete para o alter-ego do cientista Bruce Banner tornar-se um bobão de sorriso largo. Já o ex-velocista Flash foi pego de sobressalto. Rastreado por um fluído gasoso, ele utiliza seu poder precário para evitar uma tragédia intestinal. Será que conseguirá chegar a tempo? Soffritti também anunciou o futuro de alguns vilões. Doutor Octopus, desbeiçado, utiliza-se de seus tentáculos para carregar sacolas de supermercado. Ele não está só, serve-se da companhia do cão gordo. Não era exatamente esse o plano de um dos vilões mais famosos da Marvel.

A decadência dos super-heróis norte americanos, apresentado por este artista provocador, encontra pontos de contato no filme Watchmen (2009), dirigido por Zack Snyder. Se Soffritti se vale do humor para estampar a ruína dessas criaturas, o cineasta cria um ambiente melancólico, expondo-os a uma sensação de perda, mesmo que esse malogro não seja claramente identificável. Em ambos os trabalhos, a condição de vida dessa turma chega a ser desprezível.

Ícones orientais. Em contrapartida, a vicissitude heróica foi promovida do lado oriental. Influenciados pela cultura pop estadunidense, quando da ocupação americana no Japão, no final da Segunda Guerra Mundial, muitos artistas japoneses seguiram na contramão de Soffritti. Personagens de mangás e animes ganharam ascensão e status de poderosos do mundo. Manipulam a energia planetária, salvam vidas e ainda sobra tempo para abaixar a tampa do vaso antes da descarga. De estatura baixa ou mediana, usam vestimentas tradicionais, casuais ou com armaduras, cabelos arrepiados e coloridos, têm olhos grandes, narizes e queixos pontiagudos, além de bocas pequenas que se transformam em monstruosas a cada expressão.

São características que definem o estereótipo dos super-heróis japoneses. É o caso do bad boy Yusuke Urameshi, um dos ícones prediletos do público. Trata-se do típico adolescente com hábitos politicamente incorretos, porém de bom coração. Outro destaque é Son Goku (foto à esquerda), conhecido pelo público desde as transmissões de Dragon Ball. Com rabo de macaco e força sobre-humana, tornou-se um super-herói adorado tanto no Japão, com um número incrível de fãs, quanto no Brasil. Também merece destaque o andarilho e retalhador Kenshin Himura. Dono de uma habilidade sobrenatural com a espada, o super-herói utiliza uma lâmina invertida para apenas ferir e não matar o oponente.

Se a promessa de invadir o mundo não foi concretizada pelos vilões da Marvel, com certeza o planeta acabou dominado pelos valentes orientais. Mas como uma moeda de cara e coroa, a queda é a outra face da ascensão. Quando menos se espera, a osteoporose, doença normal dentro do processo de envelhecimento, pode se tornar a maior inimiga dos super-heróis dos mangás e animes.

(Ivan Ferrer Maia – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto inicial: Homem Aranha / copyright Donald Soffritti)

Comente este artigo!

Modo de visualização:

Style Sitting

Fonts

Layouts

Direction

Template Widths

px  %

px  %