EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Cinema: Manifesto

Um exercício desafiador, surpreendente e peculiar, com a camaleônica Cate Blanchett incorporando uma multiplicidade de personagens. Aliás, não é uma novidade na carreira da atriz australiana – em 2007 ela encarnou várias facetas do cantor Bob Dylan em Não Estou Lá, Todd Haynes. Aqui, ela dá voz a um conjunto de manifestos artísticos e políticos escritos ao longo da história, todos questionando o papel da arte e do artista na sociedade ou criticando o capitalismo e os valores burgueses. São declarações que consolidaram movimentos e grupos como Futuristas, Dadaístas e Suprematistas, entre outros coletivos. 

Este filme é a versão cinematográfica de uma instalação de tela múltipla do artista e cineasta alemão Julian Rosefeldt, exibida em museus pelo mundo – a obra consistia em treze vídeos estrelados por Cate Blanchett exibidos simultaneamente no mesmo local de exposição. Rodado em menos de duas semanas em Berlim, o longa rompe com a narrativa linear e oferece um enredo nem um pouco convencional. O que existe de inventivo nesta adaptação para o cinema, incluindo pitadas de bom humor, é o fato de que estes manifestos são apresentados em contextos inesperados e despropositados, bem diferentes do tempo e período em que foram concebidos, suscitando novos ângulos e perspectivas de leitura.

Com performance virtuosa, Cate Blanchett funciona como uma espécie de porta-voz desses postulados, um arco que contempla desde o Manifesto Comunista de 1884, de Marx e Engels, ao Dogma 95, criado pelos cineastas dinamarqueses Lars Von Trier  e Thomas Vinterberg. Atenção: os textos não são identificados durante a projeção, apenas no transcurso dos créditos. A atriz se desdobra em treze figuras distintas, cada uma com fala, imagem, sentimentos e modos próprios. Ou seja, ela não se limita a vestir figurinos diferentes e mudar o cabelo. Sua transformação é radical. Outro alerta: a relação entre estes personagens e o que verbalizam não é fatalmente perceptível e talvez seja inteligente não perder tempo em busca de conexões.

O Manifesto Comunista, por exemplo, ganha registro revolucionário na boca de um sem teto excluído do capitalismo. Portando um megafone, o sujeito berra sobre os males do consumismo e da sociedade capitalista, arrastando carrinho e cachorro pelas ruínas de uma fábrica abandonada. Em outra sequência, os princípios do Manifesto Dadaísta, do poeta romeno vanguardista Tristan Tzara, recheiam uma oração fúnebre. “Um morre como um herói ou como um idiota, o que é a mesma coisa”, declama a viúva. Antes do almoço, uma mãe ultraconservadora comanda a prece familiar segundo o subversivo Manifesto da Pop-Art, do escultor americano Claes Oldenburg. Com braços tatuados, um punk niilista discute em uma boate sobre o impulso criativo, extraído do Manifesto Estridentista. Em uma instalação futurista, cientista recita fragmentos dos manifestos Suprematista, do pintor soviético Kazimir Malevich, e do Cubismo, Futurismo e Suprematismo, da artista conterrânea Olga Rozanova.

Um temperamental coreógrafo russo enuncia Sem Manifesto, da coreógrafa americana Yvonne Rainer, intimidando aos gritos uma trupe de dança moderna. Uma coletânea de manifestos vinculados ao cinema (As regras douradas de Fazer Cinema, de Jim Jarmusch, A Declaração de Minnesota, de Herzog, e Dogma 95) é proferida em uma sala de aula do ensino fundamental. Uma professora ensina como matéria aos alunos as novas regras de fazer cinema. Em outro quadro, uma embonecada âncora de programa de televisão conversa com uma repórter, que está em meio a um temporal. O papo, com o tom e o padrão de um telejornal, gira em torno de conceitos da arte, garimpados do Manifesto Sentenças Sobre Arte Conceitual, do artista americano Sol LeWitt.

Rosefeldt partiu do pressuposto de que estas declarações públicas de princípios e intenção não devem permanecer circunscritas aos livros didáticos, mas relidas à luz de situações e personagens da atualidade. Nesse sentido, o filme é bem sucedido em exalar o vigor e o tom provocativo desses manifestos impregnados de significados, utopias e incongruências, agora revisitados em uma época em que importantes discussões ocorrem no ambiente vaporoso das redes sociais.

Possivelmente a película será mais fruída por aqueles que têm conhecimento da história da arte. Isso não obstrui, no entanto, a atenção dos espectadores não familiarizados com os trabalhos citados. Porque o filme é um instigante emaranhado de juízos sobre a arte, política e filosofia que, à parte a ausência de um roteiro clássico com ação progressiva, tem o condão de exaltar o pensamento e a reflexão. Nesse caso, o absurdo e a pretensão do cineasta ao transpor sua instalação para a tela grande não soam arrogantes.  

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

Manifesto

Título Original: Manifesto (Alemanha/Austrália, 2015)

Gênero: Drama, 95 min.

Direção: Julian Rosefeldt

Elenco: Cate Blanchett, Ralf Tempel, Ruby Bustamante e outros.

Estreou: 26/10/2017

 

Veja o trailer:

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